A presença de aldeias de índios no entorno da mina de carvão que busca autorização para ser instalada entre Charqueadas e Eldorado do Sul, na Região Metropolitana, é apenas um ponto entre mais de uma centena de itens que a empresa responsável pelo projeto terá de esclarecer antes de receber licença.
Além de consultar comunidades indígenas, conforme determinado pela Justiça Federal ao suspender o processo de licenciamento na semana passada, a Copelmi Mineração precisa responder até abril a pelo menos 126 questionamentos da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) sobre a chamada Mina Guaíba.
As questões técnicas estão divididas em 28 temas diferentes, incluindo pedidos de mais estudos sobre o tratamento de efluentes, a dispersão de poluentes, possíveis impactos na qualidade do ar, a geologia local e o risco de formação de líquidos com alta acidez (a chamada drenagem ácida de mina), entre outros temas.
Esses esclarecimentos foram solicitados pelo corpo técnico do órgão estadual em um documento elaborado em agosto do ano passado. Como é necessário levantar um grande número de informações para atender às requisições da fundação, o prazo original venceu em dezembro e foi prorrogado para o começo de abril. São pedidos de complementação ao Estudo de Impacto Ambiental (EIA-Rima) que orienta o processo de licenciamento em tramitação desde 2014.
A presença de comunidades indígenas nas proximidades da Mina Guaíba, que sustentou a determinação da Justiça, também faz parte dessa lista de explicações solicitadas pela Fepam aos empreendedores. A página 17 do ofício 02696/2019 determina: "Apresentar justificativas detalhadas referentes às questões das terras indígenas levantadas na audiência (pública) e recebidas nas manifestações, em especial ao que está referido no ofício 035/2019 (...) que afirma haver aldeias Mbyá-Guarani e Kaingang localizadas em áreas adjacentes ou próximas do empreendimento".
A legislação exige que, quando há comunidades indígenas próximo a futuros empreendimentos, elas devem ser consultadas — o que não foi feito até o momento. A assessoria jurídica da Copelmi argumenta que "vai cumprir todas as exigências da Funai e fazer todos os estudos necessários para atender ao componente indígena". A empresa informa que vai recorrer da liminar judicial por considerá-la "indevida", uma vez que já havia “entrado em contato com a Funai para realizar os estudos". Garante ainda que vem realizando os novos estudos ambientais solicitados pela Fepam, e que eles confirmam a viabilidade da mina.
A Fepam observa que o descumprimento do pedido de estudos complementares no prazo estabelecido resultaria no arquivamento do processo de licenciamento - mas é possível solicitar prorrogações. Em dezembro, a Copelmi argumentou em ofício que seriam necessários pelo menos mais 120 dias pela "necessidade de continuidade das reuniões temáticas com a Fepam (...) visando ao preciso atendimento de todas as solicitações". O documento ressalva que a conclusão dos novos estudos pode levar mais tempo, o que exigiria um novo pedido por mais prazo.
Questionamentos
Veja alguns exemplos do que deve ser informado pela Copelmi, entre mais de 120 itens:
- Esclarecimentos sobre a presença de comunidades indígenas no entorno do empreendimento, o que exigiria consulta dessas comunidades sobre o projeto
- Esclarecimentos sobre diversos temas abordados nas audiências públicas realizadas no ano passado, incluindo preocupações ambientais, como avaliar se há risco de eventual contaminação do Guaíba
- Estudos complementares sobre o risco de formação de um líquido chamado Drenagem Ácida de Mina (DAM), decorrente do contato da umidade com elementos do carvão
- Quais as medidas adotadas para a prevenção de DAM e o plano de contingência "em caso de contaminação visando à proteção do aquífero"
- Esclarecimentos sobre o sistema de tratamento de efluentes
- Estudos complementares sobre a dispersão de poluentes que estimem a concentração final de poluentes no ambiente em decorrência da exploração do carvão em diferentes cenários
- Maior detalhamento dos estudos envolvendo a qualidade do ar no entorno do empreendimento
- Esclarecimentos sobre estudos hidrológicos, rebaixamento do lençol freático (destinado a manter seca a área a ser explorada) e sistema de contenção de cheias
- Questionamentos sobre o plano de monitoramento da mina a fim de averiguar eventuais problemas ambientais, como "justificar a adoção de apenas três pontos de monitoramento qualitativo à jusante do empreendimento (...). Este número deverá ser revisto (...).
Tire suas dúvidas
Qual o impacto real da liminar da Justiça Federal?
Não há um impacto prático imediato, já que o processo de licenciamento se encontra parado à espera de estudos complementares solicitados pela Fepam à Copelmi. O prazo venceu em dezembro e foi prorrogado para abril, mas pode haver pedido de nova prorrogação. A liminar é uma garantia de que a licença não seja concedida, futuramente, sem o componente indígena ser analisado no processo de licenciamento.
Cabe recurso?
Sim. A Copelmi informou que vai recorrer porque considera indevida a liminar, uma vez que informa já ter solicitado à Funai os termos de referência para analisar as questões envolvendo comunidades indígenas no entorno. A empresa diz que, apesar do recurso à Justiça, fará os estudos necessários.
Se a liminar for derrubada, a licença pode ser concedida?
Não imediatamente. A licença não pode ser concedida antes de a empresa responder aos questionamentos feitos pela própria Fepam (e que também incluem esclarecimentos sobre as comunidades de índios). Ainda assim, uma primeira licença (prévia) apenas autoriza a instalação do empreendimento no local. Uma segunda licença (de instalação) é necessária para início de obras. Para funcionar, é preciso uma terceira autorização, de operação.
Há outras ações tramitando na Justiça para suspender o licenciamento?
Sim. Há pelo menos mais uma ação, que envolve pescadores da colônia Z5, que busca a inclusão dos pescadores no processo de licenciamento da Mina Guaíba. Enquanto a primeira liminar foi obtida na Justiça Federal, essa segunda ação tramita na Justiça Estadual e ainda não teve decisão.