Nas ruas de Porto Alegre há uma aparente contradição. Metade dos viadutos construídos com o objetivo de destravar a circulação de veículos conta com sinaleiras que interrompem o trânsito e levantam um debate entre usuários e especialistas: vale a pena gastar milhões de reais em obras que não eliminam o sinal vermelho? Um levantamento indica que, de 18 elevadas na Capital, nove não dispensaram o semáforo na via inferior.
Essa peculiaridade chama a atenção do doutor em Transportes João Fortini Albano. Ele diz não lembrar de outra cidade no mundo entre todas as que visitou que tenha uma proporção tão grande desse tipo de estrutura com sinaleira.
— Se permanece um sinal embaixo, o viaduto perde um pouco do seu sentido. Por isso, em algumas oportunidades, procurei conversar informalmente com técnicos da EPTC (Empresa Pública de Transporte e Circulação) para entender a razão disso — conta Albano.
O principal motivo ouvido por Albano é o mesmo que o diretor técnico da EPTC, Marcelo Hansen, apregoa: facilitar e dar segurança à travessia de pedestres.
— Boa parte dos nossos viadutos fica em zonas muito urbanizadas da cidade ou em áreas de comércio, como na passagem da Salvador França sobre a Bento, onde há um grande fluxo de pessoas. Colocar sinaleira nesses locais é uma questão de segurança — avalia Hansen.
Outro fator estimula a necessidade de interromper a passagem dos carros: a existência de paradas de ônibus associadas às elevadas, algumas vezes construídas na pista superior, como na Carlos Gomes com Nilo Peçanha ou em dois níveis, como na Salvador França com Bento Gonçalves ou na Dom Pedro II com Benjamin Constant. A estratégia aumenta o número de pessoas circulando no entorno e reforça a necessidade de sinalização.
Em entrevista concedida a GaúchaZH em maio, o urbanista Anthony Ling criticou a implantação de paradas de ônibus em viadutos por dificultar o deslocamento dos usuários. Mas Marcelo Hansen argumenta que essa é uma maneira de facilitar o uso integrado de diferentes linhas de ônibus, que passam sobre ou sob a elevada, além de a estrutura servir como proteção contra o sol ou a chuva.
— Poderíamos deslocar as paradas de ônibus, mas isso penalizaria um pouco mais o usuário — analisa Hanse.
Em outros casos, como na Conceição, no Centro Histórico, a permanência da sinaleira se destina a orientar o tráfego de veículos que vêm de diferentes pontos. Uma solução para a maior parte dos casos seria transferir o local de passagem dos pedestres ou instalar passarelas, mas a avaliação da EPTC é de que isso dificultaria a vida de quem anda a pé, principalmente idosos ou pessoas com crianças. A prefeitura lembra ainda que, nos casos de travessia de pedestre, as sinaleiras costumam ficar no vermelho somente após as botoeiras serem acionadas.
Para Marcelo Hansen, mesmo com sinaleiras sob as elevadas, a liberação integral do fluxo na pista superior e a possibilidade de reduzir o tempo do sinal vermelho na pista de baixo justificam os investimentos.
Professor da Escola Politécnica da PUCRS na área de Engenharia de Transportes, Rafael Roco de Araújo acredita que os semáforos já instalados são um "mal necessário", mas o caso poderia servir como alerta para o planejamento de futuras obras que reduzam a necessidade da sinalização e para avanços mais amplos na circulação da Capital, como estudos de melhorias na sincronização das sinaleiras, de conversão de vias de mão única em mão dupla, entre outras medidas capazes de ter impacto no entorno e mais além dos viadutos.
Os viadutos
- Jayme Caetano Braun (Carlos Gomes com Nilo Peçanha) - parada de ônibus sobre o viaduto, com sinaleira embaixo
- São Jorge (Salvador França com Bento Gonçalves) - sinaleira sob o viaduto e parada de ônibus em nível intermediário
- José Eduardo Utzig (D. Pedro II com Benjamin Constant) - parada de ônibus sobre o viaduto e embaixo, com sinaleira
- Obirici (Assis Brasil sobre Plínio Brasil Milano) - sinaleira sob o viaduto
- Loureiro da Silva (Duque de Caxias sobre João Pessoa) - passagem livre
- Imperatriz Leopoldina (João Pessoa sobre Perimetral) - sinaleira sob o viaduto
- Elevada da Conceição (sobre a Voluntários) - sinaleira sob o viaduto
- D. Pedro I (Borges de Medeiros próximo a José de Alencar) - sinaleira sob o viaduto
- Aeroporto (sobre BR-116) - passagem livre
- Açorianos (Borges de Medeiros sobre Perimetral) - passagem livre
- Leonel Brizola (sobre a Farrapos) - passagem livre
- Abdias do Nascimento (proximidades do Beira-Rio) - sinaleira sob o viaduto
- Celso Furtado (Teresópolis próximo à Aparício Borges) - passagem livre
- Tiradentes (Silva Só com Protásio Alves) - sinaleira sob o viaduto
- Ildo Meneghetti (Ramiro sobre Vasco da Gama) - passagem livre
- Rodoviária - passagem livre
- Mendes Ribeiro (Protásio sobre Carlos Gomes) - passagem livre
- Otávio Rocha (Duque de Caxias sobre Borges) - passagem livre