Alvo de debates e audiências nos últimos meses, a instalação de uma mina de carvão entre as cidades de Charqueadas e Eldorado do Sul, na Região Metropolitana, é apenas o primeiro passo de um projeto bem mais ambicioso e igualmente envolvido em controvérsia entre empreendedores e ambientalistas.
Se a Mina Guaíba conseguir licença para extrair até 166 milhões de toneladas de mineral ao longo de duas décadas (ver quadro sobre extração), o passo seguinte será buscar autorização para criar um polo carboquímico inédito no país, com investimentos que poderiam chegar a US$ 5,4 bilhões.
A intenção dos empreendedores, que até o momento reúnem a empresa gaúcha Copelmi e a americana Air Products, com respaldo de lei estadual de apoio ao uso do carvão, regulamentada no ano passado, é implantar a primeira carboquímica no Brasil para converter o carvão em gás para gerar energia, em vez de queimá-lo – como tradicionalmente ocorre. A chamada gaseificação ofereceria menos impacto ambiental e permitiria a transformação do gás em outras substâncias.
– O polo carboquímico é como uma Copesul, só que, em vez de usarmos nafta para gerar série de outros produtos, usa-se a gaseificação do carvão – afirma o diretor de Novos Negócios da Copelmi, Roberto Faria.
Carboquímicas existentes em regiões como Dakota do Norte (Estados Unidos) e Gwangyang (Coreia do Sul) serviram de inspiração para o projeto, mas a principal referência internacional no setor ainda é a China.
O complexo gaúcho converteria gás de síntese, matéria-prima derivada do carvão, em Gás Natural Sintético (GNS), amônia, ureia e metanol (ver quadro abaixo). Um estudo demonstrou a exigência de US$ 4,4 bilhões em investimento, mas a possibilidade de ampliar a produção de GNS de 2,1 milhões de metros cúbicos ao dia para 4,5 milhões (a ser confirmada via análises de demanda) poderia elevar a cifra para US$ 5,4 bilhões. A previsão é gerar 7,1 mil empregos diretos e indiretos.
– O polo criaria um ramo industrial inexistente no Estado. Mudaria o panorama da economia gaúcha. A indústria química é uma das mais fortes – sustenta o secretário estadual de Meio Ambiente e Infraestrutura, Artur Lemos.
O secretário se baseia na estimativa de que a atividade seria capaz de gerar R$ 23 bilhões a mais no Produto Interno Bruto (PIB) estadual ao longo de 20 anos, elevando-o em 4,4%. Para isso, além de obter licenças e enfrentar ambientalistas, será preciso atrair mais investidores para as produções.
Audiência
Segundo Roberto Faria, há outros possíveis interessados no empreendimento, mas no momento não há nada formalizado. Uma das dúvidas vem da expectativa de queda no preço do gás natural nos próximos anos por meio da quebra do monopólio da Petrobras no setor – o que poderia reduzir o apetite de investidores.
Para o consultor da empresa ChemVision Manuel Quintela, que realizou estudo sobre a viabilidade econômica da unidade carboquímica, o projeto é viável porque produziria materiais que hoje são importados pelos gaúchos – que compram anualmente, por exemplo, um milhão de toneladas de ureia, principalmente para uso em fertilizantes.
– A carboquímica agregaria valor usando matéria-prima local, com custo reduzido de logística – opina Quintela.
Os aspectos econômicos, sociais e ambientais da mineração de carvão serão debatidos em audiência pública promovida pelos ministérios públicos Estadual (MP) e Federal (MPF) dia 20 de agosto, às 18h, no Auditório do MP (Avenida Aureliano de Figueiredo Pinto, 80) em Porto Alegre.
– Fazia tempo que um tema não mexia tanto com a sociedade. A audiência acompanha o processo de licenciamento da mina, mas envolve o complexo carboquímico – diz a promotora do Meio Ambiente de Porto Alegre Ana Marchesan.
Funcionamento básico do complexo
O polo carboquímico seria uma planta industrial unificada, mas com diferentes linhas de produção para cada produto previsto. Veja como seria o funcionamento básico
1. Extração do carvão
O primeiro passo para a criação do polo é a abertura da Mina Guaíba, entre Charqueadas e Eldorado do Sul, com reservas de 166 milhões de toneladas do mineral. A área geral do empreendimento teria 4,5 mil hectares, o equivalente a 120 vezes o Parque da Redenção, em Porto Alegre, e se encontra em processo de licenciamento na Fepam, sem previsão de início de obras. Investimento previsto: R$ 600 milhões
2. Gaseificação
O carvão iria ao complexo carboquímico, nas proximidades da Mina Guaíba, em espécie de esteira em duto fechado. Em vez de ser queimado, gaseificadores converteriam o carvão em gás de síntese, matéria-prima capaz de se transformar em outros produtos químicos. Em princípio, se daria preferência aos derivados abaixo.
3. Transformação do gás
O gás de síntese seria convertido nos seguintes produtos.
- Gás Natural Sintético (GNS) - Estima-se produção de 2,1 milhões de metros cúbicos ao dia de GNS – usado em residências ou indústrias, com investimentos de US$ 1,5 bilhão a US$ 2,5 bilhões.
- Amônia e ureia - Outra linha transformaria gás em amônia, que pode gerar outros elementos, como ureia, para produção de fertilizantes e rações animais. O investimento seria de US$ 1,6 bilhão
- Metanol - Usado para gerar biodiesel no RS, o produto teria mercado no Paraná para conversão em outros materiais. A produção seria de 800 mil toneladas/ano, e investimento de US$ 1,2 bilhão.
4. Distribuição
A destinação dos produtos do polo carboquímico poderia ser feita, segundo a consultoria Chemvision, combinando diferentes modais em uso no Estado, como por via rodoviária, férrea ou, no caso do GNS, por meio de dutos. A implantação de tubulação de 18 quilômetros ligaria a carboquímica ao gasoduto de Triunfo.