Embora críticos digam que a iniciativa foi morta nesta gestão, o governo Nelson Marchezan considera o Orçamento Participativo vivo e vibrante — a iniciativa que tornou Porto Alegre referência internacional passa por uma fase de mudanças nos seus mecanismos e aguarda por acréscimo de recursos para realizar novas obras.
O OP completa 30 anos com um evento comemorativo neste mês, que terá a presença de estudiosos do projeto no Exterior — entre 21 e 24 de agosto, na Câmara de Vereadores e no Capitólio. Suas assembleias presenciais serão realizadas em setembro. O previsto era para que ocorressem em julho, antes das comemorações do aniversário, mas a administração municipal argumenta que o adiamento foi por uma boa causa.
— Com projetos aprovados na Câmara, especialmente as mudanças nos regimes de servidores e a atualização do IPTU, pode haver um acréscimo importante de recursos. Preferimos realizar as novas assembleias sabendo exatamente com que orçamento contamos — declara o secretário adjunto de Relações Institucionais, Carlos Siegle.
Segundo Siegle, o OP nunca deixou de ser realizado. O que foi considerado como a morte da iniciativa foi a decisão, no primeiro ano da gestão Marchezan, de não aceitar novas demandas e lidar ao longo daquele ano com o passivo de obras não realizadas. De um universo superior a 2 mil obras pendentes, foram selecionadas 159 consideradas ainda viáveis. Dessas, 54 estiveram em execução desde 2018, segundo a prefeitura.
Nesse meio tempo, o OP lançou um site que, atualmente, serve para duas razões: votar nos temas prioritários para a cidade e para cada uma das 17 regiões do OP e para sugerir obras. Elas podem ser apoiadas por outros usuários, compartilhadas em redes sociais e acrescidas de fotos, documentos e comentários de terceiros. Isso não quer dizer que as obras mais votadas serão as realizadas - o site serve como campanha antes das assembleias, quando as obras são efetivamente escolhidas. Depois de um parecer técnico sobre a viabilidade, a prefeitura pode, enfim, começá-las. O site recebe sugestões de obras até setembro.
GaúchaZH analisou algumas obras da lista das 54 em execução pela prefeitura (veja abaixo) e é possível observar casos curiosos. Há obras que receberam valores irrisórios (abaixo de R$ 100 anuais) e outras, que, visitadas, não parecem estar em andamento. Os investimentos mais relevantes em 2018 e 2019 foram em obras já em execução pela prefeitura que ganharam chancela do OP. As três obras que mais receberam recursos, por exemplo, foram respectivamente a Avenida Tronco e as trincheiras das avenidas Ceará e Anita Garibaldi, sabidamente obras da Copa de 2014. Constam como demandas do OP de 2011.
— As obras da Copa, a prefeitura anunciou ao Conselho do OP que aprovou o investimento nas mesmas. Ou seja, todas as obras da Copa são demandas institucionais do OP — explica o adjunto.
O mesmo aconteceu com a obra do trecho 1 da orla do Guaíba, que consta como demanda de 2013.
Citando o ex-prefeito Olívio Dutra (em entrevista ao podcast Aconteceu em Porto Alegre, de GaúchaZH), Sigle argumenta também que o OP, com o tempo, ganhou uma característica que vai além da escolha de obras. Suas reuniões mensais nas 17 regiões, com representantes diretos das secretárias, viraram uma interlocução direta com prefeitura para problemas do dia a dia.
— As reuniões nunca deixaram de ser realizadas. No orçamento do ano que vem, teremos mais recursos para novas demandas. Não muito, mas algo. Por isso, é injusto dizer que o OP morreu. Ele tem uma frequência, um rosto e dá a cara para bater — declara Siegle.
Em que obras vive o OP:
Entre as 54 obras em execução ou concluídas desde 2018, constam desde as milionárias obras da Copa de 2014 até demandas que mal atingiram o investimento de três dígitos. Há também obras concluídas e outras paralisadas por problemas no percurso. Confira alguns exemplos.
Pavimentação da Rua Florêncio Farias, bairro Belém Novo
Conforme as planilhas da prefeitura, a obra é uma demanda de 2010 em que foram investidos R$ 24,1 mil em 2018 e R$ 1,6 milhão em 2019, porém no local não há sinal de pavimentação. Aparecem apenas estruturas soltas e uma placa prevendo a entrega para 14 de agosto, mas de 2018. Segundo a prefeitura, a obra foi iniciada. Porém, foi necessário alterar o projeto de drenagem por falta de espaço para implantação devido a presença de grande quantidade de adutoras do DMAE. Está em elaboração novo projeto passando por outra rua. As estruturas soltas são as peças da galeria que serão implantadas nela.
Pavimentação da Rua Saul Constantino, no Morro da Cruz
É tido como um exemplo positivo das demandas antigas sanadas a partir de 2017. Se trata de uma obra demandada em 2010 pela Associação Creche Topo Gigio (foto). A rua foi pavimentada com R$ 323,5 mil investidos em 2018. A obra também é um exemplo do tipo de entrave comum no OP: a demanda de obras em ruas que não são cadastradas no plano diretor. Se irregulares, não podem receber obras. No caso da Rua Saul Constantino, ela foi regularizada em 2011.
Pavimentação da Rua David Dutra Soares, bairro Belém Novo
É a obra que recebeu o menor valor em 2019 via OP. Foram R$ 20,73 investidos. Segundo a prefeitura, se trata "possivelmente de algum saldo pequeno que tenha ficado de um ano para o outro." Demanda de 2014, a obra foi concluída em 2018 com investimento de R$ 71,1 mil.
Implantação da Avenida Tronco, na Zona Sul
De longe, a obra que mais recebeu recursos do OP nos últimos dois anos: R$ 11,6 milhões em 2018 e R$ 38,3 milhões nesse ano. Mas se trata de uma das obras inconclusas da Copa do Mundo de 2014. Somadas, a Avenida Tronco e as trincheiras da Avenida Ceará e da Anita correspondem a 64% do valor destinado ao OP desde 2018. Segundo a prefeitura, em 2011 os conselheiros do OP aproveitaram os investimentos para a Copa, e todas as obras para o evento se tornaram obras do OP. Todavia, os recursos para elas são financiados e, portanto, "carimbados". Não podem ser utilizadas em outras.
Pavimentação da Estrada Campo Novo, no bairro Aberta dos Morros
Embora conste nas planilhas da prefeitura como uma das obras em andamento, a prefeitura admite que ela ainda não foi iniciada. Daí o investimento irrisório: foram investidos R$ 197,54 em dois anos, o menor entre as 54 obras. Segundo a prefeitura, houve a necessidade de replanejamento na parte de drenagem, que teria de passar por propriedades particulares e não teve autorização dos proprietários. Está sendo estudado um novo traçado.