Um trecho de apenas 320 metros de extensão já exigiu seis anos e oito meses de obras, em Porto Alegre. Para se ter ideia do absurdo que isso representa, os 13 quilômetros da Ponte Rio-Niterói foram aprontados em cinco anos, por exemplo.
Prestes a ser entregue à população — em outubro, conforme a mais recente promessa —, a trincheira da Ceará terá duas funções a cumprir quando finalmente for inaugurada: facilitar o trânsito na Zona Norte e servir de lição ao setor público sobre como planejar e executar melhorias viárias.
Em fase final de conclusão, a escavação já legou ensinamentos a técnicos e gestores: investir mais tempo e dinheiro em planejamento, elaborar projetos mais detalhados e iniciar os trabalhos apenas com garantia dos recursos necessários para concluí-los. Podem parecer observações simples, mas são exceções nos serviços executados nos últimos anos, especialmente no conjunto batizado como Obras da Copa de 2014. A lição mais importante é que Porto Alegre passa muito tempo executando e consertando intervenções viárias em razão de erros técnicos e muito pouco planejando e detalhando projetos.
— Na China, passam cinco anos fazendo um projeto, e um ano realizando a obra. Aqui, é um mês fazendo o projeto e 10 anos executando e consertando a obra — afirma o secretário-adjunto da Secretaria Municipal de Planejamento e Gestão, Daniel Rigon.
No exemplo simbólico da Ceará, um projeto superficial doado pela iniciativa privada à cidade, feito às pressas, não previu corretamente a instabilidade do solo: a obra fica enterrada em meio a um lençol freático. Também ninguém se deu conta de que a proximidade com o aeroporto limitaria o horário de trabalho com máquinas muito grandes às madrugadas. Mas o aeroporto já estava lá.
Como resultado da superficialidade do projeto e da falta de previsão de limitações óbvias, foi necessário acrescentar oito aditivos ao contrato original. Isso resulta em mais tempo de incômodo para a população e mais gastos para os cofres públicos — o custo original em dezembro de 2012 era de R$ 29,5 milhões, mas as mudanças e atualizações elevaram o preço para mais de R$ 39 milhões.
— A grande lição é que não devemos nunca lançar uma licitação sem um projeto básico com um detalhamento grande. Todas as obras da Copa foram feitas com base, na verdade, em anteprojetos muito básicos. No caso da Ceará, quando a empresa realmente foi começar a obra, fez mais estudos e sondagens, viu que a realidade proposta no processo licitatório não existia — diz o titular da Secretaria Municipal de Infraestrutura e Mobilidade Urbana (Smim), Marcelo Gazen.
A Ceará também exemplifica os danos provocados pela falta de planejamento de longo prazo. Em termos de engenharia, é sempre melhor fazer primeiro uma intervenção subterrânea para depois realizar uma obra na superfície. Na Zona Norte, primeiro foi erguido o viaduto Leonel Brizola, e somente anos depois se pensou na trincheira. Para desviar das fundações dos pilares do viaduto, a nova pista teve de ser desenhada com duas curvas.
Rigon garante que parte dos ensinamentos da Ceará já foi colocada em prática na licitação do trecho 3 da Orla do Guaíba.
— Fizemos umas 10 reuniões de estratégia, apenas para discutir o perfil da orla, como viabilizar a obra, e depois passamos quatro, cinco meses apenas detalhando orçamento. Sempre podem ocorrer problemas, mas, quanto mais se planeja, menos se precisa consertar depois — entende o secretário-adjunto.
A previsão de entrega do trecho 3 da orla é agosto de 2020. Até lá, será possível confirmar se Porto Alegre de fato aprendeu algo com os longos anos de lições deixadas pela trincheira da Ceará.
SEIS ANOS E OITO MESES DE ESPERA
- Dezembro de 2012
Ordem de início com previsão de término em 18 meses, ou junho de 2014. - Janeiro de 2013
Início na prática das obras da trincheira. No mês seguinte, começa o desvio no trânsito no local. - Abril de 2013
Empresa descobre que solo é mais instável do que se imaginava. Outros problemas, como a impossibilidade de operar equipamentos altos durante o dia pela proximidade com o Aeroporto, atrapalhariam o cronograma. - Junho de 2014
Previsão de término não se confirma. Aditivo transfere a data para dezembro de 2015, o que também não ocorre. - Novembro de 2016
Prefeitura anuncia que obras estão 92% concluídas e prevê liberação para o trânsito em dezembro. - Maio de 2017
Trabalho é praticamente paralisado por falta de pagamento por parte da prefeitura. - Junho de 2017
Câmara autoriza a Prefeitura a buscar financiamento de R$ 120 milhões para retomar obras da Copa. - Março de 2018
As obras são retomadas, com promessa de conclusão para setembro - o que também não se confirma. Demora em pagamentos, infiltrações e problemas no pavimento que exigem reparos complicam o cronograma. A previsão atual é outubro de 2019.