Entre os muitos problemas enfrentados em quase sete anos de obra na trincheira da Avenida Ceará, em Porto Alegre, além de falhas de projeto, burocracia e falta de recursos, um elemento aparentemente simples continuará a desafiar a estrutura de concreto e aço: água. A cada minuto, mesmo com sol a pino, em média 15 litros vertem para dentro da passagem escavada na Zona Norte. Isso ocorre porque a obra foi feita em meio a uma espécie de rio subterrâneo.
Apenas 1m20cm abaixo do nível superior da rua, à meia altura das paredes de concreto que sustentam a trincheira, há um lençol freático. Para conter tanta umidade e evitar que a pista fique submersa, a construção conta com recursos de engenharia e um mecanismo de bombeamento projetado para ser operado de maneira remota desde a sede do Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae).
Na avaliação de técnicos do município, a trincheira da Ceará mais se parece com um "barco" lançado ao solo lodoso. À semelhança do casco de uma embarcação de grande porte, o leito da via conta com espécie de "lastro" destinado a manter a estrutura bem fixada no chão instável. A pista conta com nada menos do que cinco camadas de laje e concreto. Além disso, duas paredes subterrâneas descem a 26 metros de profundidade para garantir a estabilidade da passagem.
— A Ceará é uma obra ímpar em Porto Alegre porque foi executada dentro de um lençol freático. Praticamente, dentro d'água. Isso não estava detalhado no anteprojeto — afirma o titular da Secretaria Municipal de Infraestrutura e Mobilidade Urbana (Smim), Marcelo Gazen.
Para impedir que a barcaça de concreto acabe inundada — temor de muitos motoristas —, foi previsto um sistema de escoamento de alta capacidade. Ele inclui a colocação de drenos nas paredes, por onde o excesso de líquido escorre para canaletas implantadas dos dois lados da via. Para lá também corre a água da chuva. A canalização conduz o volume captado para um poço em que há três bombas de sucção (com gerador a diesel em caso de falta de luz): duas com capacidade de puxar 88 litros por segundo, que deverão funcionar alternadamente, e outra com metade dessa capacidade como recurso de segurança.
Originalmente, estavam previstos dois equipamentos. Com a migração da estrutura do antigo Departamento de Esgotos Pluviais (DEP) para o Dmae, que conta com critérios próprios, foi incluído no projeto uma terceira bomba. O ideal, segundo o secretário-adjunto da Secretaria Municipal de Planejamento e Gestão, Daniel Rigon, é que tivesse sido adotada desde o início uma solução de engenharia que evitasse o contato direto da água com as paredes.
— Uma das possibilidades é que colocassem camadas de pedras contidas em telas, como existem nas margens de estradas da Serra, por exemplo, atrás das paredes da trincheira. Assim, a água escoaria entre as pedras e poderia ser recolhida lá embaixo — exemplifica Rigon.
Como isso não foi feito, restou recorrer aos mecanismos contra inundação — que incluem ainda a injeção de material impermeável, por meio de pequenos orifícios no concreto, em pontos da estrutura em que são identificados vazamentos.