As Unidades de Triagem (UT) do lixo seco da Capital estão passando por dias difíceis. Formadas por cooperativas de trabalhadores de bairros periféricos da cidade, algumas das instituições têm tido dificuldade em se manter financeiramente. Isso porque um repasse que deveria ser feito mensalmente pelo Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU) está atrasado.
Assim, o valor que os recicladores ganham com a venda dos resíduos, que é chamado de partilha, acaba sendo usado para o custeio de manutenções que a verba da prefeitura deveria cobrir.
O DMLU alega que está mudando a sua relação jurídica com as entidades. Atualmente, o trabalho é prestado ao município por meio de convênios, renováveis a cada cinco anos. Porém, assim como tem feito em outras áreas da administração, o Executivo adotou o sistema de parceirização, instituído por uma lei federal de 2014. É muito parecido com a terceirização. A diferença é que o poder público repassa o trabalho para entidades da sociedade civil, e não para empresas privadas.
Custeio
Mesmo com a mudança na lei, em seu site, o próprio DMLU informa ainda que “a prefeitura fornece toda a infraestrutura para as unidades conveniadas e garante o custeio de manutenção com cerca de R$ 5,2 mil por mês”. Segundo líderes de cooperativas, até o valor do repasse pode variar, dependendo do volume de trabalho prestado.
No caso das UTs, algumas ainda têm convênios vigentes, que irão expirar até 2022. Outras já encerram sua última renovação e precisam se adaptar à modalidade de contrato de parceria, seguindo a nova legislação. Porém, as entidades que ainda estão trabalhando dentro do regime de convênio reclamam do não recebimento da verba que a prefeitura deveria enviar todo mês para a manutenção das unidades.
Em alguns casos, este atraso se aproxima de um ano. Sem o repasse e tendo de usar a partilha para manter a unidade de triagem funcionando, algumas associações estão com medo de não conseguir manter as portas abertas.
Nesta semana, o Diário Gaúcho entrou em contato com parte das 16 UTs cadastradas no DMLU. Das oito instituições que a reportagem conseguiu contato, somente a unidade da Vila Chocolatão, na Zona Norte, informou estar com os repasses em dia. Em alguns casos, o convênio terminou, mas ficaram repasses atrasados para trás. E, em outros locais, mesmo com o convênio em dia, o dinheiro não chega.
Departamento nega atrasos
Diretor do DMLU, Renê Machado de Souza garante que não há atrasos nos repasses às instituições conveniadas da Capital. Segundo ele, as entidades que prestam contas corretamente têm recebido os valores. Além disso, o diretor cita que o valor repassado deve ser usado somente naquele mês correspondente – depois disso, a verba é bloqueada e retorna a prefeitura.
Por isso, o diretor diz que as UTs que alegam muitos meses de atraso nos repasses — caso de UTs dos bairros Floresta, Restinga, Rubem Berta e Partenon, ouvidas pela reportagem —, provavelmente não irão mais receber os valores.
— Não tem atraso. Assim que as contas são prestadas corretamente, será liberado o dinheiro. Se isso não foi feito durante o mês a que o repasse corresponde, o valor fica bloqueado e provavelmente não será liberado novamente — diz Renê.
Reciclagem vive seu "pior período"
No bairro Bom Jesus, o Centro de Triagem da Vila Pinto (CTVP) está há cinco meses sem receber a verba do DMLU. Para o dinheiro ser liberado, as entidades devem prestar contas, todo mês, sobre como o valor da parcela anterior foi usado.
Responsável pelo CTVP, Henrique Lima, 27 anos, acredita que o DMLU tem dificultado o trabalho com o objetivo de fechar os locais e privatizar o serviço.
— Implicam com qualquer vírgula da prestação de contas. Fazem de tudo para atrasar o repasse. A gente tem data para entregar os documentos, mas eles não têm data para pagar — critica.
Quem trabalha com a triagem de resíduos se sente desvalorizado. Com mais de 12 anos dedicados ao trabalho no CTVP, Loecir da Rosa, 56 anos, diz que a falta de importância que a cidade dá para o trabalho de reciclagem contribui para o descaso público:
— Se não fosse o reciclador, para onde as pessoas acham que iria todo esse lixo?
Os locais instalados nas comunidades, como diz Henrique, ainda têm um papel social de tirar jovens das ruas e dar chance de ressocialização para quem precisa. Aos 18 anos, Gerson Macedo da Silva é consciente da importância do seu trabalho. O jovem diz que nunca se envergonhou por atuar no local, onde trabalha há dois meses.
— É melhor o lixo vindo para cá do que entupindo bocas de lobo — cita Gerson.
Realidade
Para Núbia Vargas, responsável pela UT Frederico Mentz, do bairro Navegantes, o novo sistema gera muitas dificuldades aos trabalhadores. As exigências não levam em conta a realidade dos locais onde ficam as unidades.
—Tem até uma espécie de caução contratual, que pode passar de R$ 10 mil. Além disso, exigem contratação de técnico em resíduos e regularização da estrutura do prédio que a própria prefeitura já nos entregou com problemas. O trabalho de reciclagem vive seu pior período nesta cidade — critica Núbia.
Como estão algumas das unidades de triagem*
- Reciclando pela Vida, bairro Floresta: sem repasse há um ano.
- Anjos da Ecologia, bairro Floresta: sem repasse há sete meses.
- Santíssima, bairro Rubem Berta: convênio venceu em abril, desde então tenta a parceirização com a prefeitura.
- Coopertinga, bairro Restinga: sem repasse há 10 meses.
- Vila Pinto, bairro Bom Jesus: sem repasse há cinco meses.
- Campo da Tuca, bairro Partenon: convênio venceu em abril, desde então tenta a parceirização com a prefeitura. A instituição alega que não recebeu o repasse nos três primeiros meses do ano, quando ainda era conveniada.
- Chocolatão, bairro Nova Chocolatão: está com os repasses em dia.
- Frederico Mentz, bairro Navegantes: convênio venceu em abril. Unidade alega que não há condições de arcar com os custos da parceirização. Está angariando recursos para tentar o novo contrato.
* O Diário conseguiu contato somente com oito das 16 UTs da cidade.