A ampliação da pista do Aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, poderá atrasar se o impasse envolvendo a realocação de famílias que vivem na cabeceira não for resolvido. O risco é admitido pela CEO da Fraport Brasil, Andreea Pal, que respondeu a uma recomendação feita pelo Ministério Público Federal (MPF) e Defensoria Pública da União (DPU), que foi divulgada pelos órgãos públicos na quinta-feira (6). A empresa já admite, inclusive, discutir na justiça essa contenda, se for o caso.
Pelo cronograma de obras, a liberação da área para ampliação da pista em 920 metros, totalizando 3,2 quilômetros, precisa ocorrer até o fim do ano, com término dos trabalhos em 2021. Caso o impasse persista e provoque atraso nas obras, a Fraport adianta que vai pedir prorrogação do prazo para conclusão dos trabalhos, mas sustenta que vai trabalhar para que isso não ocorra.
Procuradores regionais da República e defensores públicos federais sustentam que a empresa, que venceu a licitação para concessão do terminal por 25 anos, deve custear a remoção e a realocação das famílias que vivem na Vila Nazaré. O valor estimado e citado na recomendação é de R$ 146 milhões.
Conforme o diretor de Relações Institucionais da Fraport Brasil, Leonardo Carnielle, que também participou da entrevista, não há nada no contrato de concessão que obrigue a companhia a fazer esse desembolso. Lembra que muito antes da assinatura do contrato já havia o processo em curso de transferência desses moradores para permitir o andamento da obra.
Ele se refere às medidas promovidas pela Infraero, antiga administradora do Salgado Filho, antes que o Governo Federal tomasse a decisão de conceder o aeroporto à iniciativa privada. Dois empreendimentos estão em construção para receber essas famílias.
— Logo que entramos aqui no aeroporto (após assinatura do contrato em 2017) essas casas já estavam bem avançadas, inclusive. Era bem claro pra gente que existiam dois empreendimentos exclusivos, ou em grande parte, para a Vila Nazaré. A totalidade dessas moradias era mais do que suficiente para o sítio aeroportuário — sustenta Carnielle.
Atualmente, de acordo com o MPF, 1,3 mil famílias vivem na região. Carnielle diz que foi formado um grupo de trabalho envolvendo empresa, União, Estado e município de Porto Alegre para discutir melhorias nas condições desses empreendimentos, como maior oferta de saúde, educação e transporte. A Fraport afirma que fez um aporte de R$ 30 milhões, a título de colaboração, para essas medidas.
Os condomínios citados pelo diretor foram construídos com recursos federais, através do programa Minha Casa Minha Vida, e ficam nos bairros Rubem Berta e Sarandi. As conversas com o MPF começaram ainda no ano passado.
— Nós explicamos ao Ministério Público Federal que não existe essa exigência dentro do contrato firmado por nós. Existe a exigência de desocupação do sítio aeroportuário — complementa o executivo.
Sobre o valor que o MPF entende ser devido pela Fraport, Carnielle diz que “o edital é muito claro em dizer que não há vínculo entre os estudos (sobre o valor estimado para transferência das famílias) e a concessionária”. Sustenta ainda que a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) já se manifestou afirmando que também não se pode vincular o valor estimado para as transferências das famílias com as obrigações da concessionária. O diretor também frisa que o atraso nas obras poderá gerar prejuízos ao Estado.
— Isso é uma janela de oportunidade (ampliação da pista). Se não fizermos no prazo estimado, pode ser que o Estado perca oportunidades de negócios. Isso significa voos internacionais que hoje não saem daqui, voos que trariam empregos para o município — destaca o diretor.
Judicialização
A CEO Andreea Pal reforça que a recomendação feita pelo MPF e DPU de pagar os R$ 146 milhões não será cumprida e que, se for o caso, o assunto será tratado na Justiça.
— Com prazer, porque finalmente vai se fazer justiça. Os documentos são muitos claros. A situação jurídica é muito clara — diz a alemã, misturando o português com o espanhol.
Apesar de admitir que há risco de atraso nas obras de ampliação da pista do Salgado Filho, caso esse impasse não seja resolvido e a questão seja judicializada, Andreea não deixa claro se a discussão sobre os valores pode barrar o andamento dos trabalhos.
— Se pagamos ou não a União, é outra discussão — pondera Andreea.
Carnielle manifesta preocupação quanto à demora na transferência das famílias, já que um dos empreendimentos construídos já foi alvo de invasão. Sobre as famílias que não aceitarem a mudança, a empresa sustenta que cada caso será avaliado individualmente para uma solução.
O que diz o município de Porto Alegre
A Procuradoria-Geral do Município (PGM) enviou nota:
Sobre a remoção das famílias da Vila Nazaré para ampliação da pista do aeroporto Salgado Filho, a Procuradoria-Geral do Município informa que, desde fevereiro do ano passado, Município, Ministério Público estadual e moradores estão em diálogo para a viabilização do reassentamento das famílias, que irão para os empreendimentos Nosso Senhor do Bomfim e Irmãos Maristas. Esses empreendimentos foram construídos pela Caixa Econômica Federal por intermédio do Minha Casa Minha Vida.
No que tange às responsabilidades da Fraport no reassentamento dessas famílias, acordo de cooperação técnica firmado com o Município em 27 de setembro de 2018 estabelece:
1) Que a empresa deveria escolher, contratar, gerir e arcar com os custos de empresa para cadastramento das famílias;
2) Que a empresa deveria disponibilizar os cadastros ao Município, para o envio das informações/documentos à Caixa Econômica Federal (CEF);
3) Que a empresa deveria contratar e arcar com os custos de empresa de segurança não armada para promoção da segurança das áreas desocupadas dentro do sítio aeroportuário;
4) Que, acaso as residências construídas pela CEF não fossem suficientes ou houvesse objeção das famílias ao reassentamento, que a Fraport poderia arcar com eventuais compensações financeiras nas negociações com os moradores.
Cumpre destacar, mais uma vez, que Município, Estado do Rio Grande do Sul e Fraport estão concentrando todos seus esforços, há mais de um ano, no sentido de garantir uma moradia digna àquelas famílias.
GaúchaZH também procurou o MPF e autoridades do Estado do Rio Grande do Sul e do governo federal e aguarda retorno.