O Ministério Público Federal (MPF) e a Defensoria Pública da União (DPU) divulgaram, nesta quinta-feira (6), uma recomendação enviada em fevereiro à empresa Fraport Brasil Aeroporto de Porto Alegre.
O grupo alemão venceu a licitação do Aeroporto Salgado Filho e assinou o contrato de concessão por 25 anos em 28 de julho de 2017. De acordo com os dois órgãos públicos, a empresa não está aceitando pagar pela remoção das famílias que vivem na cabeceira da pista que será ampliada em 920 metros, totalizando 3,2 mil metros.
A recomendação traz detalhes do contrato de concessão e também estudos sobre a realocação dos moradores da região. No documento, que possui 24 páginas, há trechos de estudos que indicam o valor que a empresa teria que desembolsar para atender a demanda.
“Notificar a Fraport Brasil S.A. Aeroporto de Porto Alegre de sua responsabilidade e obrigação pelo reassentamento, inclusive custo associado no valor estimado de R$ 146.389.867,00 (valores de agosto de 2016), para atender as atuais e existentes famílias componentes da Vila Nazaré, em número de aproximadamente 1.300 (um mil e trezentas)”.
Além disso, procuradores regionais da República e defensores públicos federais consideram que a União deve ser indenizada, mesmo que as famílias sejam transferidas para empreendimentos habitacionais construídos com recursos públicos.
“Notificar ainda que a eventual remoção para empreendimentos custeados por recursos federais, a exemplo dos empreendimentos habitacionais Minha Casa Minha Vida na Rua Irmãos Maristas, 400, bairro Rubem Berta (região nordeste) e Rua Senhor do Bonfim, 55, bairro Sarandi (região norte), mesmo que voluntariamente por parte das famílias da Vila Nazaré, não exime a empresa concessionária Fraport Brasil S.A. Aeroporto de Porto Alegre de sua obrigação e responsabilidade de arcar com o custo destas habitações, tendo em conta ser exclusivamente da empresa concessionária a responsabilidade pelos custos decorrentes das desocupações, bem como de eventuais reassentamentos e realocações”.
Essa recomendação foi expedida em 28 de fevereiro de 2019, com prazo de dez dias para resposta. Um dos procuradores regionais dos Direitos do Cidadão que assinaram o documento, Enrico Rodrigues de Freitas, diz que as negociações na esfera administrativa terminaram, porque a Fraport teria o entendimento de que não precisaria pagar pelo reassentamento das famílias.
— Isso foi acertado em contrato. Foram feitas duas audiências públicas para alterar a modelagem do documento para realocar as famílias, porque o município (de Porto Alegre) não teria condições financeiras — afirma Freitas.
Segundo o procurador, a Fraport deveria ter “construído uma solução habitacional desde o início do contrato”. Também sustenta que a empresa chegou a oferecer R$ 30 milhões para solucionar essa questão, valor que foi considerado insuficiente pelas autoridades.
— Essas pessoas tem uma vida quase rural. Um dos empreendimentos, para o qual eles poderão ser realocados, sofre resistência por eles, porque há dificuldade de transporte, de acesso à saúde e educação. E é uma área conflagrada pelo tráfico de drogas — diz Freitas.
Ainda conforme o procurador, “está havendo uma pressão para as pessoas deixarem o local”. O contrato prevê que a realocação das famílias ocorra em até pouco mais de quatro anos da assinatura do contrato de concessão, firmado em 28 de julho de 2017.
Enrico Freitas diz que ainda há tempo para que a Fraport promova, de forma adequada, a realocação das famílias. No entanto, adianta que, caso isso não ocorra, uma ação judicial será movida.
O que diz a Fraport
A concessionária afirma que a divergência de opiniões "engrandece a democracia", mas afirma que as soluções habitacionais já existem e foram construídas pelo poder público. Também afirma que está indo "além do que está previsto" no contrato, pois o governo federal afirmou que a obrigação da Fraport se limitaria à desocupação das áreas.
Confira a nota na íntegra:
“A Concessionária FRAPORT BRASIL S.A. AEROPORTO DE PORTO ALEGRE, responsável pela operação e ampliação do Aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, vem a público para enaltecer todos os esforços em conjunto com o Município de Porto Alegre, o Estado do Rio Grande do Sul e o Governo Federal na implementação de soluções habitacionais dignas para as famílias que ocupam o sítio aeroportuário, na região denominada “Vila Nazaré”. Para nós, da FRAPORT, é uma enorme recompensa presenciar a alegria e a felicidade de tantas famílias que estão prestes a conquistar novas casas e iniciar um novo ciclo de suas vidas. Nada disso seria possível sem o envolvimento e o esforço conjunto de entidades da administração pública em diversos níveis.
Durante os últimos meses, a Concessionária vem dialogando com o Ministério Público Federal (MPF) e a Defensoria Pública da União (DPU) sobre todo esse processo. A divergência de opinião deve sempre ser respeitada. Isso favorece e engrandece a democracia e a Concessionária FRAPORT defende o diálogo transparente e contínuo. Nós, da Concessionária FRAPORT, convergimos com o MPF e a DPU sobre a importância de se promover uma realocação digna e humana das famílias que ocupam o sítio aeroportuário. E é para isso que estamos trabalhando incansavelmente durante todo esse período. As soluções habitacionais já existem e foram construídas pelo Poder Público justamente para atender as famílias da região de “Vila Nazaré”. A Concessionária, em diversas reuniões com o Ministério Público Federal (MPF) e a Defensoria Pública da União (DPU), demonstrou as suas responsabilidades contratuais, assumidas com a União Federal e a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC). A Concessionária está indo além do previsto contratualmente, que seria tão somente a desocupação da área inserida dentro do sítio aeroportuário, pois acredita na relevância de seu papel como agente transformador. O Governo Federal, incluindo-se aqui a Secretaria do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), Secretaria de Aviação Civil (SAC) e a própria ANAC, que foram responsáveis pela redação do Contrato de Concessão assinado com a Concessionária FRAPORT, se manifestaram formalmente no sentido de que a obrigação da Concessionária FRAPORT se limitaria à desocupação das áreas, sem qualquer obrigação legal ou contratual de se investir o valor aproximado de R$ 140 milhões, como noticiado pelo MPF e a DPU.
A Agência Reguladora, em Ofício datado de 21 de março de 2019, foi muito didática ao afirmar que “o montante de famílias a ser reassentado e os custos envolvidos trazidos em EVTEA não devem ser considerados para a execução da tarefa pela Concessionária, até porque esta pode adotar solução diversa à prevista em tal instrumento de Estudo, sendo, inclusive, o que se verificou ao estabelecer solução conjunta com o município de Porto Alegre, consubstanciada em Acordo de Cooperação Técnica. Não há obrigação no Contrato de Concessão que imponha o custo de R$ 146.389.867,00, trazido pelo EVTEA, à Concessionária.” Para mais informações, a íntegra desse documento, bem como da Manifestação da Concessionária FRAPORT à Recomendação do MPF e da DPU, podem ser visualizados NOS DOIS ARQUIVOS ANEXOS.
A Concessionária FRAPORT reafirma o seu compromisso com a sociedade gaúcha e continuará trabalhando com o Município de Porto Alegre, o Estado do Rio Grande do Sul e o Governo Federal para que as famílias localizadas na Vila Nazaré tenham acesso à moradia digna e fora do risco do sítio aeroportuário. Todo esse esforço permitirá aumentar a qualidade de vida de centenas de pessoas e, ainda, dar seguimento às obras necessárias para a ampliação do aeroporto Salgado Filho, gerando empregos, diretos e indiretos, para a população gaúcha, o aumento na arrecadação de impostos e permitindo que o Estado do Rio Grande do Sul amplie ainda mais o seu papel de protagonismo nacional na logística de transporte nacional. A Concessionária FRAPORT acredita no Estado do Rio Grande do Sul, na sua população e no desenvolvimento da sua economia regional.”