Por conta dos sucessivos aterramentos feitos com areia do Guaíba, que "esburacaram" o fundo do manancial, as possibilidades de banhar-se perto da margem são remotas. Já andar sobre ele é uma realidade, não só no Centro, mas no trecho entre a orla e a Avenida Praia de Belas. Maior aterro de Porto Alegre, a região surgiu destinada a um projeto ambicioso: criar um bairro residencial de alto padrão e integrar de forma definitiva o Guaíba à cidade. Nenhum dos objetivos se concretizou.
– A prefeitura queria densificar aquela área, mas foi um fracasso, porque Porto Alegre se desenvolveu em direção ao espigão da Duque de Caxias. O projeto estava na contramão – avalia Maria Dalila Bohrer, autora da dissertação O Aterro Praia de Belas e o Aterro do Flamengo.
A proposta de uma zona residencial em terreno criado sobre o Guaíba foi apresentada em 1938 por Edvaldo Pereira Paiva e Ubatuba de Faria. O plano definitivo ficou pronto em 1953, foi aprovado por lei em 1955 e apareceu inscrito no primeiro plano diretor da cidade, de 1959. Previa marina pública, tratamento paisagístico e requintado balneário junto a uma baía artificial. Sem interesse de investidores, a prefeitura desistiu o projeto na década de 1960 e, em 1970, revogou a lei que o chancelara.
A intervenção na margem sul do Centro teve início em 1956 e, em 1978, atingiu 200 dos 300 hectares previstos – também na década de 1950, foi realizado o aterro junto a orla do Cristal, para a construção do hipódromo. Abrange a região que vai da Rua Washington Luís até o Arroio Dilúvio e da Rua Praia de Belas até a costa.
Doada ao Sport Club Internacional, a área mais ao sul foi das primeiras a serem aterradas para a construção do Estádio Beira-Rio, que teve início em 1959. Concluído dez anos depois, o local foi, pelos anos seguintes, uma edificação solitária no meio do Guaíba – a expansão da área só seria feita ao longo da década de 1970.
A atual paisagem da Praia de Belas resulta da aplicação parcial do projeto contido no plano abortado: do bairro planejado foi erguido apenas um conjunto de edifícios de três pavimentos, nas imediações do Instituto de Previdência do Estado do Rio Grande do Sul (IPERGS) e, mais tarde, construída a Avenida Beira-Rio.
O legado mais perto do objetivo de aproximar a cidade da margem foi o Parque Marinha do Brasil. A execução foi objeto de concurso público em 1976. O projeto vencedor, de Ivan Mizoguchi e Rogério Malinsky, previa aquário, cais turístico, bar flutuante e ilha artificial – jamais realizados. Apesar de não ter sido executado em sua totalidade, legou à cidade o maior de seus parques – o Marinha ostenta área de 72 hectares.
– Alguns pontos são mais altos para que pudessem enxergar o Guaíba. A ideia era de que as pessoas nunca perdessem a noção de que ele estava ali do lado – conta Mizoguchi.
Às voltas com uma infinidade de hectares sem função, as autoridades levaram para as proximidades alguns órgãos públicos, como o Centro Administrativo e a Câmara Municipal. Inicialmente prevista para a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), outra área verde junto à Beira-Rio foi transformada no Parque Maurício Sirotsky Sobrinho.
Se o bairro inacabado denuncia a dificuldade histórica da Capital em levar projetos a cabo, por outro lado, seu fracasso foi o que permitiu, décadas depois, a execução da Orla Moacyr Scliar, e a consolidação da região como área de lazer. Ou seja, por linhas tortas, contribuiu para reconciliação dos porto-alegrenses com o Guaíba.
– Acho que a cidade ganhou mais com o parque. No fim foi bom (o bairro) ter dado errado, porque teria privatizado a orla em vez de integrar a cidade à ela – diz Maria Dalila Bohrer.