A areia dragada do Guaíba foi a principal matéria-prima da expansão territorial de Porto Alegre feita através de aterros, mas não a única. As primeiras intervenções, especialmente na área situada entre a Praça da Parobé e a Elevada da Conceição – incluindo o terreno do imponente Edifício Ely – contaram com contribuição menos nobre. Descartados nas margens e nos arredores da Praça da Harmonia, entulhos de construções e o lixo produzido pelos habitantes da capital da província foram utilizados no processo.
– O lixo foi fundamental na formação dos primeiro aterros de Porto Alegre – avalia Luiz Felipe Escosteguy Alencastre, que escreveu uma dissertação de mestrado sobre os aterramentos no século 19.
Parte do material proveniente dos descartes foi descoberta em escavações na área central a partir dos anos 2000. De louças a frascos de remédios e cosméticos, passando por vestimentas, objetos inteiros ou fragmentados dos mais diversos foram encontrados sob locais como a Praça Brigadeiro Sampaio e em vias das imediações da Praça da Alfândega – algumas das peças chegaram a ser expostas no Museu Joaquim José Felizardo.
Somente com o passar do tempo é que se priorizou a utilização da areia retirada do manancial. Mas se é fato que os aterramentos realizados dessa maneira mostraram-se determinantes para o avanço da cidade – assim como para a cara que o Centro Histórico assumiria ainda na primeira metade do século 20 –, também foram eles o pivô da separação entre a população e o Guaíba.
Por ter sido feita na mesma cota da margem, a vasta área plana entre a Rua Sete de Setembro e o corpo hídrico tornou-se vulnerável a inundações. Não demorou para que a cidade tivesse de lidar com as consequências: na célebre enchente de 1941, a região aterrada ficou embaixo d'água. O evento foi o principal argumento para a construção da estrutura que, semanas atrás, entrou na mira do prefeito Nelson Marchezan.
Finalizado na década de 1970, o Muro da Mauá interrompeu a continuidade do eixo virtual da Rua da Praia com a margem, criando barreira física no acesso direto à Orla.
Além disso, os aterros decretaram o fim de qualquer chance de os porto-alegrenses usufruírem de forma segura do Guaíba na área central. O geógrafo Cícero Castello Branco Filho aponta que a retirada de terra do fundo do manancial deixou imensos buracos no leito, do cais até a margem do Parque Marinha do Brasil. Mesmo que o trecho seja despoluído, não será recomendado para banho.