Um cardápio especial foi preparado na tradicional distribuição de almoços realizada todos os sábados debaixo do Viaduto da Conceição, no Centro de Porto Alegre. Na véspera de Páscoa, os voluntários do projeto Cozinheiros do Bem serviram risoto de frango e salada espanhola a moradores de rua.
Enquanto cozinheiros e auxiliares se debruçavam sobre bacias e panelas, pessoas em situação de vulnerabilidade, sem casa ou emprego, formavam fila para ganhar suas quentinhas. Artistas, como o músico Duca Leindecker, ex-vocalista da banda Cidadão Quem, deixavam mais convidativa uma das áreas menos aprazíveis da Capital.
Na fila para ganhar o almoço gratuito, Marcelo Sampaio, desempregado aos 50 anos, estava a postos para a comida que é uma de suas poucas refeições garantidas na semana, já que não tem dinheiro. Chama a si mesmo de "sócio-atleta", pois frequenta a mesma fila todo o sábado.
— É uma comida boa. Pode botar que é ótima. Em questão de higiene, é impecável — elogiou Sampaio.
Fundado em 2015 pelo casal Júlio Ritta e Patrícia Stein, o Cozinheiros do Bem prepara almoços gratuitos para moradores de rua com base em alimentos doados. O projeto conta com 300 voluntários, que se revezam no cozimento, no preparo, na coleta de produtos e na limpeza. Muitas vezes, a marmita é o único alimento fresco que os moradores de rua ingerem, uma refeição que não foi tirada do lixo. Somente neste sábado, foram servidos em torno de 1.800 almoços, com direito a repetição.
— É melhor para nós do que para eles. A gente tem tudo, e por mais que a gente reclame, tu chega aqui, ouve as histórias de cada um, e tu vê que a tua vida é muito boa. As pessoas não precisam só de comida, precisam de atenção. Elas são invisíveis no dia a dia — disse Patrícia.
Teresa Cristina Araújo recebeu mais do que comida dos voluntários. Morou seis anos debaixo do Viaduto da Conceição, mas enxergou novas possibilidades quando uma horda de pessoas munidas de touca e avental passaram a ocupar o lugar aos sábados, distribuindo os pratos feitos.
— Dia de semana, a gente catava comida do lixo. A gente contava os dias para chegar o sábado — diz a Cris, colocando a experiência no passado, já que abandonou as ruas em 2017, quando foi agraciada com uma casa nova erguida com ajuda de doações.
Com a filha adotiva e um lugar para morar, Cris não deixa de frequentar o viaduto, já que "saiu da rua, mas a rua não saiu dela".
A caridade dos voluntários é bem recebida. Gilmar Machado, 54 anos, beneficiado com o Bolsa Família, reconhece a diferença de uma refeição bem-feita garantida na semana.
— São tudo pessoas bem de vida. Não precisavam se preocupar. Chovendo ou não, eles não deixam de vir. No Natal, eles podiam estar com as famílias deles, mas estão aqui. Isso é lindo.
Usando um boné escrito com a palavra "ubuntu", expressão de origem africana que significa generosidade, a aposentada Mônica Chineppe, 54 anos, pede a palavra. Ela faz questão de ser entrevistada. Juntou-se aos Cozinheiros do Bem em janeiro deste ano, após superar um período de depressão e um câncer. Diz que, ao entrar em contato com pessoas em situação de vulnerabilidade, perdeu o medo da vida.
— Isso aqui mudou a minha vida. Essas pessoas aqui poderiam ser eu. Essas pessoas aqui eram como tu, como eu, como qualquer outra pessoa. E por algum motivo, vieram para cá — lembrou a aposentada.