Dignidade em forma de refeição. É o que um grupo de voluntários de Porto Alegre oferece cada vez que se reúne para dar comida a moradores de rua. Há três anos, os Cozinheiros do Bem levam o prazer de uma refeição gostosa para quem vive sem saber quando terá sua fome saciada.
As ações se revezam durante a semana entre o Viaduto do Obirici, no Bairro Passo D'Areia, Viaduto Dom Pedro I, no Menino Deus, no Largo da Epatur, na Cidade Baixa, no Viaduto da Conceição, no Centro, e em frente à Arena do Grêmio, no Humaitá. A iniciativa, que não tem ligação com igrejas ou partidos políticos, possui 300 voluntários.
Os almoços são organizados em grupos de WhatsApp e os alimentos são doados pela comunidade e pelos próprios voluntários. Todos os itens necessários para cada refeição são tabulados em planilhas. Cada ação precisa de quase 30 pessoas envolvidas e chegam a ser servidos 2 mil almoços. Os voluntários montam a estrutura a cada ação e trazem parte da refeição pronta, outra parte é finalizada no local.
Entre as premissas básicas estão que o alimento precisa ser gostoso, deve ser servido quente e em abundância. Todo o processo tem uma higiene rigorosa: quem manuseia a comida precisa usar luva e touca.
– Se a comida não estiver boa, a gente não serve. É como se fizéssemos para nós – afirma a ensina a técnica de patologia Iura Ramos, 49 anos.
Para quem precisar
No final da manhã de domingo, a ação ocorria simultaneamente no Viaduto Dom Pedro I e no Viaduto Obirici, onde o Diário Gaúcho acompanhou a distribuição de quentinhas. Antes do almoço – os moradores aguardavam na fila desde às 11h –, ganharam chocolate quente, bananas e receberam agasalhos. O almoço foi servido por volta das 12h30 e tinha arroz, feijão, carne com molho, massa, maionese de batata, ovos, pão, sobremesa e suco. Ao entregar cada marmita, os voluntários reforçam que a repetição é livre.
– A gente não distingue ninguém. Da forma como eles chegam aqui, são atendidos por nós. Não interessa se está bêbado ou sob efeito de alguma droga, a única regra para comer é entrar na fila. E o retorno deles é maravilhoso. Eles nos agradecem muito, mas eu sinto que isso faz mais bem para nós mesmos do que pra eles – afirma uma das organizadoras da iniciativa, a gerente comercial Patrícia Stein, 45 anos.
O projeto foi idealizado pelo marido de Patrícia, o chefe de cozinha Julio Rita. A iniciativa, de tão consolidada, tem servido de inspiração para outras cidades. Em Santa Maria, a projeto já é reproduzido por voluntários de lá.
Exercício de empatia
Toda a ação é um exercício de empatia. Além de servir comida, o voluntário ouve, ajuda e, se precisar, também aconselha:
– Nós sabemos o valor de uma comida gostosa e quentinha. Queremos que eles também tenham isso. A gente entende que, de barriga cheia, a pessoa vai pensar duas vezes antes de fazer algo errado. Pode parecer pouco, mas é uma sementinha que a gente planta – ensina a dona de casa Helenita Silva, 67 anos.
Na manhã deste domingo, estudantes do Colégio Romano Senhor Bom Jesus foram conhecer o projeto para um trabalho da disciplina de Sociologia. Gabriel Pinto Martins, 17 anos, e Gabriel Silva Guimarães dos Santos, 16, se ofereceram para ajudar a organizar a fila, nem sempre uma tarefa fácil:
– Cheguei e fiquei surpreso com toda essa interação. Isso é algo completamente distante da nossa realidade. É bom ver pessoas de tão bom coração fazendo tanto pelos outros – avalia Gabriel Pinto.
– Cada pessoa aqui tem uma história de vida diferente, todos merecem atenção – afirma Gabriel Silva.
A percepção do dia de voluntariado dos jovens é justamente o efeito que a iniciativa quer causar.
– A gente entende que nós somos privilegiados e precisamos ajudar quem não tem. Isso é um compromisso – diz Patrícia.
Muito além da comida
O almoço gostoso e o sorriso dos voluntários fazem quem está na fila se sentir especial:
– Aqui a comida é boa e as pessoas são maravilhosas. Está vendo esse clima bom? É sempre assim. Me sinto bem aqui _ conta o morador de rua Jeferson Silveira da Rosa, 47 anos.
Enquanto a fila anda, outros voluntários recebem quem reclama de frio. Em alguns casos, o prato de comida vem acompanhado de uma meia nos pés, um calçado e um cachecol.
– Venho sempre aos domingos. Aqui também ganho carinho e atenção, me sinto querida, eles cuidam de nós – avalia Lisandra Costa, 37 anos.
A ação contagia quem passa e vê tanta gente empenhada em atender o próximo:
– No sábado chegou uma hora que acabou a comida e chegou uma pessoa com duas panelas enormes de carreteiro. Aquilo foi tão maravilhoso. Quanto mais comida chegar pronta, mais nos ajuda – lembra Patrícia.
Onde e quando
As ações acontecem nos seguintes dias e horários:
– Largo da Epatur: terças-feiras, a partir das 20h
– Arena do Grêmio: quintas-feiras, a partir das 20h
– Viaduto da Conceição: sábados, a partir das 10h
– Viaduto Dom Pedro I e Viaduto Obirici: domingos, a partir das 10h
Quer ser voluntário ou ajudar com doações?
WhatsApp: (51) 984480325 (51) 998532190