Depois de sete meses morando embaixo da marquise de um banco na Rua Francisco Ferrer, no bairro Bom Fim, em Porto Alegre, Carla Janaína dos Anjos Ferreira, 45 anos, e Magnum Quevedo Ouvique, 33, finalmente têm uma casa para morar. Após a mobilização de vizinhos do bairro, a faxineira e o pedreiro estão vivendo em um JK alugado desde terça-feira (26) na companhia do cachorro vira-lata Scooby, de seis meses.
— Tá uma maravilha, não tô nem acreditando. Espero nunca mais voltar pra lá (a marquise). Depois de tanto tempo tomando banho de balde na rua, finalmente temos um banho quentinho, um teto pra morar. Não vejo a hora de morar com meus filhos de novo — conta Janaína.
Magnum, entretanto, ainda não conseguiu se acostumar com a casa nova. Desde então, ele e Scooby vêm passando as noites em claro:
— Sabe, depois que tu vai pra rua, é difícil esquecer o que tu viveu.
A mudança foi possível graças à iniciativa da jornalista Adriana Martorano, 46 anos. Vendo eles se acomodarem diariamente na calçada em frente à sua casa, ela decidiu dar o pontapé inicial para o recomeço do casal. Com a ajuda de pelo menos 15 vizinhos, ela aluga um apartamento no Centro Histórico para os, agora, ex-moradores de rua.
— Quando cada um ajuda um pouquinho, não fica pesado pra ninguém. A gente não consegue mudar a situação dos mais de 2 mil moradores de rua da Capital, mas pelo menos fizemos com que duas pessoas saíssem. Todo ser humano deveria ter esse direito — diz Adriana, carinhosamente batizada de "madrinha" por Janaína.
O próximo objetivo agora é voltar a morar com os quatro filhos do casal, que têm entre seis e 15 anos. No apartamento alugado, ainda não há espaço para toda a família: a ajuda vai servir, confia Janaína, como um trampolim: o endereço fixo ajuda a conseguirem empregos estáveis e, finalmente, alugar um imóvel maior.
As crianças vivem com a irmã de Janaína desde dezembro de 2017. Foi quando, em uma noite quente, a casa da família, em um terreno invadido no bairro Restinga, pegou fogo. De um dia para outro, o casal perdeu tudo. Restaram somente as roupas que vestiam.
Janaína foi a primeira da família a acordar com a fumaceira que se instalara na antiga casa. Por sofrer de asma, ela despertou com uma forte tosse. Estranhou o cheiro de queimado. Foi até a cozinha e se surpreendeu com a cena: a casa pegava fogo.
— Acorda! Acorda! A casa tá pegando fogo! Vai, corre, corre! — dizia, aos berros, ao marido e aos filhos.
As chamas haviam iniciado, primeiramente, na casa da vizinha devido a um curto-circuito na corrente elétrica. O fogaréu se alastrou e consumiu todos os objetos da residência.
— A gente tinha dinheiro guardado, computador, aqueles celulares de toque com WhatsApp. Nem trabalho a gente tem mais — diz Janaína.
Agora, eles se preparam para começar uma vida nova. Janaína trabalha como faxineira; Magnum, como pedreiro. Ambos aceitam qualquer serviço para finalmente reunirem toda a família. Agora, é o maior desejo de Janaína: voltar a viver com os filhos.
— Bate uma saudade, um aperto no peito não ter eles comigo. Mas agora tudo vai mudar. Esse é um recomeço, se Deus quiser — confia.