Olhando por cima do portão pintado de roxo, o prédio do número 203 da Rua Washington Luiz, no centro da Capital, parece um colégio como qualquer outro. A diferença é que quem estuda ali não costuma ser tratado na sociedade como qualquer outro. A maior parte dos alunos da Escola Municipal de Ensino Fundamental Porto Alegre (EPA) é formada por moradores de rua.
A instituição voltada à Educação de Jovens e Adultos (EJA) tem aproximadamente 115 alunos matriculados, com idades entre 15 a 60 anos. Além de três salas de aula, quadra coberta e biblioteca com cerca de cinco mil livros, a escola tem espaço para os estudantes tomarem banho e lavarem suas roupas.
Uma vez por semana, as aulas ocorrem em um laboratório de informática, um dos momentos mais aguardados por Simone Borges, 28 anos. É quando ela consegue espiar no Facebook fotos da irmã, da sobrinha e da filha, de seis anos, que mora com a avó da moradora de rua na Zona Leste. "Faz uma cara" que ela não a vê presencialmente.
No turno contrário às aulas, estudantes participam de oficinas de cerâmica e de papel reciclado. Nara Oliveira, que mora em uma barraca em praça próxima dali, orgulha-se em falar que ajuda a transformar rascunho e filtros de café em cadernos decorados. Mas, com a merenda e o banho, o principal motivo para a senhora (que não sabe dizer sua idade) frequentar a escola é a companhia.
— Todo mundo gosta de mim aqui — diz, depois de citar um a um os colegas e os educadores.
Professora de turma de alfabetização, Cláudia Machado acredita que muitos alunos frequentam a escola porque se sentem seguros ali. Conta que, imediatamente, eles não têm vontade de estudar, mas, à medida que os professores ofertam atividades, vão se envolvendo.
Como as pessoas em situação de rua têm características não compatíveis com a burocracia das escolas normais, na EPA os alunos podem se matricular e avançar em qualquer momento ao longo do ano e há uma tolerância muito maior com relação a faltas.
— Faltam bastante. Muitas vezes, pegam um serviço, de dois, três dias. Depois, voltam e vamos trabalhar para recuperar o que perderam — explica o diretor Renato Farias dos Santos.
A EPA também atende jovens da Fundação de Atendimento Socioeducativo (Fase) e egressos do sistema prisional. O diretor relata que muitos dos alunos são usuários de drogas, e o corpo docente trabalha com uma lógica de redução de danos.
— A gente oferece atividades. Se ele fica o dia inteiro, é um dia inteiro sem drogas. Muitos já vêm em busca disso. É uma forma de ficar sem esse uso — diz o diretor.
Além das drogas e do álcool, maus tratos domésticos e problemas com a família estão entre os motivos que levaram os estudantes às ruas, mas o que guia boa parte deles à escola é a vontade de mudar o rumo.
— O cara não consegue trabalho porque não tem estudo. Até para juntar lixo hoje tem que ter escolaridade — diz um estudante que não quis se identificar.
Santos destaca que muitos estudantes da EPA conseguem completar o Ensino Fundamental e ingressar no Ensino Médio ou acessar melhores oportunidades de trabalho. É em busca disso que está Rafael Fernandes Dutra, 30 anos. Ele conta que quer largar o crack e sair das ruas. Vê os estudos como primeiro passo. Se tudo der certo, deve termina o Ensino Fundamental no ano que vem e se matricula em uma escola de Ensino Médio na sequência. O plano é fazer concurso público e ter a estabilidade que nunca nem chegou perto de ter — mora nas ruas desde os sete anos.
Dutra garante que está se puxando em sala de aula:
— Sou bom em matemática. Agora, estou aprendendo a dividir os números maiores.
O que o estudante mais valoriza na escola são os profissionais (são cerca de 30 funcionários).
— Aqui, os professores são bastante carinhosos com a gente, e nós respondemos com respeito — acrescenta.
Liminar da Justiça garante funcionamento
O futuro da Escola Porto Alegre não está garantido. A Secretaria Municipal de Educação (Smed) pretendia transformar o espaço em um colégio de Educação Infantil ainda em 2015. Com apoio da Defensoria Pública, o conselho escolar conquistou uma liminar na Justiça para impedir o fechamento da EPA há três anos.
O processo ainda não teve o julgamento final: está em fase final de instrução, aguardando os memoriais (que são as alegações finais das partes sobre a questão) e, posteriormente, seguirá para a sentença. Não há previsão de conclusão.
GaúchaZH questionou a Smed sobre os planos para o espaço. A pasta, em nota, respondeu na mesma linha da gestão passada: "A demanda hoje é maior por Educação Infantil na região central do que por Educação de Jovens e Adultos (EJA)". A pasta alega que escola foi concebida para atender principalmente crianças em situação de rua (foi construída em 1995 e transformada em EJA em 2009) e que, hoje, o problema não representaria a mesma realidade de anos anteriores.
A secretaria vê duas principais alternativas para os estudantes da escola: aos alunos que sofrem de dependência ou doença mental, participação no Plano Municipal de Superação da Situação de Rua, desenvolvido por diferentes secretarias municipais com ações de saúde, assistência e habitação; já os alunos mais regulares poderão ingressar em outras escolas que oferecem EJA na região central. "A Smed tem grande oferta de EJA em toda a cidade — na Rua Santa Terezinha tem o CMET Paulo Freire, que é exclusivo para a modalidade — e há vagas", afirma assessoria de imprensa.
A vice-diretora da EPA Jacqueline Junker ressalta que existe uma questão de pertencimento e de territorialidade que afetaria a educação desses alunos em outros locais. Ela lembra que perto do CMET Paulo Freire fica a Vila Planetário, que impediria a transferência de parte dos alunos em razão de violência e de pontos de drogas.