Bairro mais boêmio de Porto Alegre, a Cidade Baixa vivenciou dois carnavais distintos no sábado (2) e no domingo (3). No primeiro dia, em que aconteceu um bloco devidamente previsto e organizado pela prefeitura na Rua da República, os festejos terminaram cedo – a dispersão começou às 21h, sem relatos de maiores problemas. Já no dia seguinte, em que não estava previsto evento algum na região, a mesma rua recebeu uma aglomeração que só terminou depois das 3h da madrugada. Após dezenas de ligações ao telefone 190, a tropa de choque da Brigada Militar (BM) dispersou a multidão com bombas de efeito moral.
De acordo com moradores e comerciantes da região, o público de um evento como é o de sábado não se assemelha ao de domingo.
– No bloquinho de sábado à tarde a gente observava rostos conhecidos, moradores. Tinha até crianças pintadas e fantasiadas. No domingo à noite era outra galera. A (Rua da) República estava completamente tomada de desconhecidos. Para caminhar meia quadra até a portaria da minha casa demorei 15 minutos, e tive de pedir licença a um pessoal que havia se abancado no portão – relata Karine de Souza Flores, estudante de 22 anos.
Frente a essa observação, o comandante do 9º Batalhão da Brigada Militar, Luciano Moritz, faz uma ressalva:
– Esses grupos que tomaram conta da rua no domingo tentaram fazer o mesmo na noite anterior, depois do bloco. Só não aconteceu porque já estávamos mobilizados para aquele local. No dia seguinte, não é que tenhamos sido pegos de surpresa, mas fez diferença estar com uma tropa especializada já mobilizada para um evento, como na véspera.
No domingo, conjunção de fatores culminou no conflito da madrugada. Primeiramente, o fato de os blocos que desfilariam na orla do Guaíba no domingo (3) terem sido transferidos para outras datas a pedido dos próprios organizadores dos grupos, que alegaram problemas de estrutura e foram redistribuídos entre os dias 16, 17, 23 e 24 de março. A alteração deixou a cidade sem qualquer opção de celebração em espaços públicos na noite passada.
– O pessoal chegou na cidade pelo Gasômetro e não encontrou nada, então veio para dentro da cidade – aponta um vendedor de cachorro-quente da Rua da República, que preferiu não se identificar.
O público – boa parte, vindo da Região Metropolitana – perambulou até encontrar uma aglomeração espontânea, na Cidade Baixa, sem qualquer estrutura prevista para um evento público. Se somaram, ainda, os órfãos da multidão que frequentava a Rua João Alfredo até 26 de janeiro, noite em que ocorreu um triplo homicídio em via pública. Desde então, a BM mantém efetivo e coíbe aglomerações no local. Na noite de domingo, esse público se reencontrou na República.
– Chegou a um ponto em que era tanta gente fazendo tanto barulho que dava medo de olhar pela janela – conta Dóris de Andrade, servidora pública de 57 anos, que amanheceu com a fachada do prédio pichada.
Por volta das 2h da madrugada, motos paradas aceleraram tão alto que fizeram os alarmes da rua dispararem. Policiais militares que tentaram abordar frequentadores foram recebidos com garrafadas. Quando a tropa de choque foi acionada, houve correria em direção à Rua Sofia Veloso e ao Parque da Redenção, pela Avenida João Pessoa. Grades e portarias foram forçadas e depredadas. Mesmo depois do conflito, houve novas tentativas de carros com som de estacionar na via. Dispersado pela BM, parte deles manteve a celebração até o amanhecer no Largo Zumbi dos Palmares.
Prefeitura admite que faltou evento para o dia
Os números da prefeitura referentes ao bloco de sábado (2), na Cidade Baixa, evidenciam a diferença entre um evento previamente organizado de uma aglomeração espontânea. O evento contou com 60 banheiros químicos, 40 seguranças privados e 40 profissionais de limpeza. O Carnaval também contou com bloqueios de ruas e apoio de instituições como a Brigada Militar, Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) e Guarda Municipal.
– Além da estrutura propriamente dita, tem a expectativa do público. As pessoas já foram para lá com o espírito preparado para algo que termina às 21h. E, assim que termina, começa o pessoal da limpeza, a lavação da rua... Isso tudo ajuda a dispersar o pessoal e dificulta quem tenta tomar conta do espaço. Agora, que horas termina um evento se não é um evento? Foi o que aconteceu ontem (domingo) – declara Leonardo Maricato, secretário-adjunto de Cultura.
Maricato argumenta que o calendário de Carnaval na Cidade Baixa obedece à determinação do Ministério Público que limitou a celebração oficial a duas datas: sábado passado (2) e terça-feira (5). Porém, o secretário admite que o edital do Carnaval de Porto Alegre, que contratou a empresa Impacto Vento Norte Produções Técnicas para realizar as festas, deveria ter previsto no mínimo um evento para cada dia do feriadão.
– Nesse ano, foi preciso fazer um edital enxuto e rápido para que a cidade pudesse contar com a iniciativa privada na organização do Carnaval. No ano que vem, haverá essa preocupação de entregar ao menos um evento por dia no feriado. Preferencialmente em um local que não prejudique moradores e facilite a ação do poder público, com a orla revitalizada. Precisamos estimular essa cultura – promete Maricato.
O Carnaval da Cidade Baixa retorna nesta terça-feira (5), das 14h às 21h, com os blocos Deixa Falar e Rua do Perdão. Para a noite desta segunda-feira (4), resta a esperança de que a confusão não se repita, pois mais uma vez não há programação oficial em Porto Alegre.