"Ontem, na escola, todos nós levamos um soco."
A mensagem na faixa estendida na Escola Municipal Grande Oriente do Rio Grande do Sul, onde uma professora foi agredida na noite de quarta-feira (31) por uma familiar de um aluno, poderia ir além da escola no bairro Rubem Berta e estender o sentimento à rede municipal. Diversas outras escolas do município apontam para um acirramento de ânimos em suas comunidades que, no espaço de duas semanas, resultaram em duas agressões em diferentes escolas de Porto Alegre.
Entre as causas do clima pesado, diretores apontam para a falta da guarda municipal e para um distanciamento entre escolas e comunidades a partir de mudanças da atual gestão em relação a atividades extracurriculares.
Na noite de quarta-feira (31), uma professora da Grande Oriente de 59 anos
(36 de magistério) teve dentes quebrados pelo soco da irmã de um adolescente quando ela pediu que ele entrasse para a aula. A agressora é mãe de outros estudantes da escola. Na semana passada, dia 24, uma educadora de 46 anos também foi golpeada pela irmã de um aluno que fora suspenso na Escola Municipal Afonso Guerreiro Lima, no bairro Lomba do Pinheiro.
Nesta quinta-feira (1), na Grande Oriente, as aulas foram canceladas. O dia foi de reuniões com representantes da Secretaria Municipal de Educação (Smed) e de protestos pedindo paz no ambiente escolar. Na segunda-feira (5), uma assembleia envolvendo a comunidade discutirá o tema.
— Precisamos muito agora pensar na proteção dos professores para os próximos dias. Vamos pontuar questões de segurança para reabrir semana que vem — declarou a vice-diretora, Ana Flávia Silveira.
Ana faz coro a uma reclamação unânime das escolas: a retirada da Guarda Municipal das dependências das escolas, desde 2017, piorou a questão da segurança. Na Afonso Guerreiro Lima, palco da agressão do dia 24, o diretor Samuel Martins exemplifica:
— Agora, a Guarda Municipal tem vindo todos os dias. Achamos contraditório: por um lado, a prefeitura diz que é uma questão mais ampla de segurança pública e que a Guarda não resolveria. Mas depois que acontece a situação, resolve colocar a Guarda Municipal aqui para prevenir.
Na Escola Municipal Lidovino Fanton, na Restinga, o principal problema desde a saída da Guarda foi o vandalismo. Neste semestre, houve duas invasões, com depredações de vidros e computadores. Não houve episódios de agressão a professores, mas ameaças.
— Na segunda-feira, apareceu um irmão brabo porque a irmã teria sido agredida por um colega. Disse que era da Marina e agora "a bala ia pegar". A gente tenta administrar, conversa, organiza, tenta conciliar. Meses atrás, as coordenadoras do SOE (Serviço de Orientação Educacional) colocaram uma placa na porta alertando as pessoas de que desacatar funcionário público pode levar a prisão. Estavam se sentindo acuadas — declara o vice-diretor, Adilson Neumann.
Desde 2017, a administração municipal vem substituindo a presença da Guarda por portarias que funcionam em pelo menos dois turnos de cada escola e vigilância por câmeras monitoradas pelo Centro Integrado de Comando da Cidade (Ceic). O projeto das portarias vem funcionando há pouco mais de um mês, mas foi recebido nas escolas como um paliativo pouco eficiente.
— Aqui, ele nos resolveu mais um problema logístico, de abrir e de fechar a escola, do que de segurança. Os porteiros são pessoas aqui da comunidade mesmo. Um dos rapazes é um menino franzino, e o treinamento que eles receberam é de poucos dias. Não é algo voltado à segurança. Por mais que a Guarda tivesse a função primordial de defender patrimônio, a presença dela transmitia autoridade e coibia certos comportamentos — declara a diretora de uma escola na Zona Leste, que preferiu não se identificar.
O secretário municipal de Educação, Adriano Naves de Brito, declara que a decisão de colocar ou não a Guarda preventivamente nas escolas "extrapola as atribuições da pasta" por se tratar de uma questão se segurança da cidade. Todavia, defende o projeto das portarias, que ainda passa por ajustes.
— Dentro das nossas atribuições, nós tentamos otimizar a presença da Guarda quando ela se faz necessária. Todas as escolas em que há um evento ela fica lá. É sempre solícita. Em relação às escolas, é fundamental a portaria, o controle do fluxo de pessoas, e que o diretor tenha acesso aos órgãos de segurança facilitados. Nós colocamos uma funcionário da Smed dentro do Ceic para auxiliar. Por décadas não tivemos serviço de portaria, começou há um mês. Estamos aprendendo. Essas pessoas precisam de treino e tempo. Inclusive falei aos diretores: "não hesitem em apontar se a pessoa não for capaz de exercer a função".
Diretores lamentam ausência de projetos paralelos
Em meio a uma discussão sobre como prevenir e responder a episódios de violência, diretores apontam as agressões como um desdobramento tardio do afastamento entre escolas e comunidades. Por estarem praticamente todas em vizinhanças pobres, os educadores apontam como fundamental projetos extraclasse que mantenham as crianças nas dependências da escola. Segundo eles, houve um desmanche desses projetos desde o início da atual gestão.
— Aqui na Grande Oriente, tínhamos projetos de música, dança, de consciência ambiental... Alguns deles, projetos de 10 anos. Agora que não temos mais, posso te apontar pontualmente nomes de ex-alunos desses projetos que agora foram atraídos para o que não deve. Além disso, a comunidade vai perdendo essa referência da escola como um espaço de lazer — declara a vice-diretora, Ana Flávia.
Em governos passados, os projetos paralelos para as três horas além das quatro horas curriculares eram oferecidos pelos professores e, no final do ano escolar, tinham os resultados apresentados à Smed. Conforme o número de alunos atendidos, eram ou não renovados. Segundo os educadores, a maior parte dos projetos foi cortada pela prefeitura, que preferiu que cada escola oferecesse um pacote de atividades extracurriculares unificado aos alunos interessados no estudo em tempo integral.
Segundo o secretário Adriano Naves de Brito, a ideia é oferecer atividades extracurriculares de parceiros que possam constar no histórico escolar do aluno. Elas seriam voltadas a quatro eixos: numeramento, letramento, iniciação científica e formação do sensível. Nessa semana, a Smed lançou um edital que busca o credenciamento de parceiros visando a atender mais 5 mil estudantes, alguns frequentariam as atividades extra fora do ambiente escolar. De acordo com a Smed, dos 33.853 alunos do Ensino Fundamental, 10.327 são atendidos pela educação integral. Os diretores veem problemas no formato.
— Não é pensado de forma que contemple as necessidades dessas pessoas da periferia. Esses projetos não podem ser privados, e sim públicos. Tem que trabalhar as pessoas para lidar com esse público. E tem ser aqui dentro da escola. Estamos falando de pessoas que não têm dinheiro para se deslocar até a unidade de saúde para ir tapar um furúnculo da perna — declara a diretora da escola na Zona Leste.
*Colaboraram Felipe Daroit e Jessica Rebeca Webber.