Quando a equipe de GaúchaZH entrou no prédio em que vive a professora Helena Lauerstein, de 46 anos, uma equipe de televisão deixava o local. Depois de uma noite mal dormida em razão dos hematomas e do trauma, desde às 8h da manhã desta quinta-feira (25) Helena conversava com diferentes veículos jornalísticos sobre a agressão sofrida na quarta-feira (24), no saguão da Escola Municipal Afonso Guerreiro Lima, no bairro Lomba do Pinheiro .
— Minha esperança é que falar sobre o caso ajude a prevenir outros. E que a gente possa discutir a rede pública municipal, não só na questão da segurança — diz Helena, ainda com o lábio inferior roxo.
Professora da instituição há sete anos, a educadora foi surpreendida com socos e chutes pela irmã de um aluno, que fora impedido de permanecer na escola sem a presença de um responsável. Confira trechos da conversa, em tom de desabafo.
Professora, o que aconteceu contigo expõe um problema: as comunidades em que as condições de trabalho são piores para os educadores são justamente as que mais precisam deles. Há um primeiro passo para resolver?
A primeira coisa é justiça social. O Estado tem de se fazer mais presente nessas comunidades. Com escola, com posto de saúde, com centro de referência de assistência social. São crianças que vão pra escola no inverno de camisetinha, e a mãe nem viu como saiu de casa. Você pode dar o mesmo conteúdo da escola particular, mas o retorno não será o mesmo porque elas não têm necessidades básicas atendidas.
E por ser, muitas vezes, o único braço do Estado na comunidade, é com ele que as pessoas se revoltam?
Sim, evidente. Às vezes a escola é a primeira noção de responsabilidade. O primeiro "não" que elas recebem, muitas vezes é na escola. Nunca ninguém disse para aquela criança que precisa ir dormir, acordar, comer... Aí ela chega na escola e tem fila, não pode bater no colega, precisa sentar pra comer... São coisas básicas que a gente enfrenta e que as escolas da rede privada não enfrentam. Aí a nossa rede é massacrada, quando o próprio prefeito (Nelson Marchezan) vem a público dizer que é a pior educação do Brasil. Poxa, isso não é verdade. Nossos professores são muito bons, fazemos até mais do que está ao alcance. A nossa escola ainda é uma das melhores. E agora tem a insegurança. Desde que ele tirou a guarda municipal das escolas, a gente está contando com a boa sorte.
A educação é um dos braços do Estado, mas não poder ser o único. Não é a solução mágica pra tudo como as pessoas imaginam. A gente trabalha com as pessoas mais vulneráveis da sociedade. São crianças que perderam as mães, que os pais estão presos. Que muitas vezes moram com avós, tios, com pessoas que não estão preparadas.
Como isso aconteceu?
Foi uma decisão da prefeitura de tirar a guarda municipal das dependências das escolas. Deve estar lá hoje, depois da agressão, mas certamente não vai estar na segunda-feira. Imagino que a prefeitura entenda que saia muito caro manter a guarda na escola, e tem câmeras de vigilância. Só que a câmera de vigilância só serve para alguma coisa se alguém estiver vigiando. Durante um dia letivo, temos mais de mil alunos em três turnos. Eles colocaram um serviço de portaria. Eu não quero desmerecer o serviço da moça, mas eu tenho até pena dela. Ela está com medo, ela não tem preparação nenhuma de segurança se alguém ameaçar ela. Isso quando eles vão trabalhar. Faz umas três semanas que começou essa empresa e já deixaram de trabalhar várias vezes.
A escola está tomada de cartazes manifestando apoio a você. A comunidade da Lomba do Pinheiro é solidária à escola?
Eu acredito que sim, porque a gente faz trabalhos com oficinas de teatro, de orquestra, de robótica... Os alunos gostam de estar dentro da escola. Muitas vezes eles só têm nós pra correr no dia a dia. Não têm pai, não têm mãe, a tia que busca mora longe. Eles só têm nós. Às vezes a gente que consegue material escolar, casaco. Um reclama de dor de cabeça às 8h da manhã. Pergunto: "Tu tomou café?" E ele responde: "Tomei um refri." Aí vou atrás de comida. Aquela coisa.
Há mil alunos e 999 podem acolher a escola. Mas basta um para te dar um soco. Como prevenir isso?
Ela me deu dois socos e me derrubou. Não consegui nem me defender. Quando eu vi eu já estava no chão, levando pontapés. Meu maxilar está machucado, eu só estou conseguindo comer lentilha. Me ergueram com o nariz sangrando. Tudo isso na frente das crianças.
É isso que eu tenho pensado desde ontem (quarta-feira, 24). Porque eu sou uma pessoa muito exposta. A direção e a coordenação de turno (cargo de Helena) são muito visados. Sou eu que estou no pátio, que abro o portão. Sou eu que digo a um aluno que está incomodando e precisa sair da sala. Algumas mães acham que eu estou perseguindo um aluno. Olha se eu tenho tempo de perseguir aluno... Então, estou em um lugar de muita exposição. Mas eu sempre tirava de letra. Me dava bem com os alunos. Nesta semana, tinha até feito uma aposta com os alunos sobre a Libertadores. Esse tipo de coisa alegre, sabe? Aí, 10 minutos depois...
Como aconteceu a agressão?
Fazia uns 10 dias que o aluno de 14 anos havia sido suspenso e ele sabia que ele só poderia entrar na escola de novo acompanhado de um responsável. No dia anterior, ele já havia entrado sem. O que eu queria da família dele era pedir ajuda, porque outros pais estavam reclamando dele, de ameaças a alunos menores. Nós temos atas na direção. O responsável tem de saber disso. Ele foi pra casa depois de uns 20 minutos tentando convencê-lo. Quando eu estava trazendo uma turma de pequenos para o pátio, eu vi a irmã dele vindo na minha direção, mas nunca imaginei... Ela me deu dois socos e me derrubou. Não consegui nem me defender. Quando eu vi, já estava no chão, levando pontapés. Meu maxilar está machucado, eu só estou conseguindo comer lentilha. Me ergueram com o nariz sangrando. Tudo isso na frente das crianças.
É a primeira vez que isso acontece?
Se essa criatura tivesse um revólver? E eu, vou comprar um revólver pra mim também? O que é isso? Onde a gente vai parar. E eu não pretendo comprar arma nenhuma por que eu acho que não é por aí o caminho. Mas estou vendo a coisa muito indo por aí.
Certa vez, uma mãe tentou avançar em mim, seguraram, e ela me deu um arranhão e um soco no braço. Mas eu consegui me esquivar. Fiquei uma semana fora, foi bem ruim, mas não tão ruim quanto agora. Foi bem ruim de dormir, porque aquela cena fica voltando. Vou ter de pedir um afastamento maior porque tenho medo de voltar agora. Não sei do que essa família é capaz e a coisa não está para brinquedo. Ainda mais nesse tempo em que a violência está sendo quase incentivada. Se essa criatura tivesse um revólver? E eu vou comprar um revólver também? O que é isso? Onde a gente vai parar? Não pretendo comprar arma nenhuma porque acho que não é por aí o caminho. Mas estou vendo a coisa muito indo por aí.
Que medidas, no seu entendimento, preveniriam em definitivo um caso como esse?
Primeiramente, com segurança física. A guarda municipal dentro das escolas municipais. Segundo, repondo toda falta de professores. A gente tem turmas em que não há professor de História desde o início do ano. Eles já sabem que não tem aquela matéria, então, se a gente não consegue cobrir, a gente passa uma tarefa. Mas é uma tarefa, não é uma aula. O aluno fica pensando e fazendo bobagem. E, por fim, com escolas em turno integral como existiam há apenas três anos.
Você pretende voltar?
Agora, junto ao médico do trabalho, eu vou pedir a maior licença que eu puder para deixar baixar a poeira. Sair de circulação. Para esse pessoal (a família do aluno) me esquecer. Você entrou ali na Lomba, todos já sabem que você chegou, com quem chegou, com que roupa chegou... É duro, porque agora eu sei que vou deixar meus colegas na mão. Uma pessoa a mais que sai, faz bastante diferença. Mas depois, eu pretendo voltar, sim. É uma escola muito legal, apesar de tudo. Meu marido não para de falar que eu tenho que sair da escola, que eu tenho que sair da Lomba, mas eu vou deixar o tempo passar. Se a gente não acreditar no bem, no trabalho que a gente faz, não tem porque trabalhar em escola.