Professores ameaçados no portão da escola, colégio invadido aos finais de semana e pais que, assustados, optam por fazer a segurança dos alunos. O clima nas instituições municipais de Porto Alegre mudou com a saída de agentes da Guarda Municipal das escolas. Há cerca de um ano, os guardas estão deixando as escolas a pedido da prefeitura, que está colocando em prática um plano de segurança escolar que não prevê a presença constante dos agentes no pátio dos colégios.
Um levantamento informal feito pelo Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (Simpa) aponta que mais de 90% das escolas não têm mais guardas fixos durante o dia. Porto Alegre tem 99 escolas municipais, das quais 50 são de Ensino Fundamental. As Secretarias Municipais de Segurança e Educação não souberam informar à reportagem quantas escolas da Capital perderam agentes.
Para escolas que estão inseridas em comunidades conflagradas pela violência, ter ou não a presença fixa de um guarda transforma a rotina escolar. Na Escola Municipal de Ensino Fundamental Vereador Antônio Giúdice, no bairro Humaitá, um grupo de pais de alunos se reuniu para fazer a segurança da escola: controlar o fluxo de pessoas, verificar quem entra e sai e identificar a presença de estranhos. Foi a forma que eles encontraram de oferecer um mínimo de proteção aos filhos enquanto estão na instituição. A mobilização começou há três semanas, quando um aviso oficial da prefeitura anunciou que a escola perderia a presença fixa da guarda municipal.
— Houve uma desestruturação das famílias desde que a guarda saiu daqui. Todos os dias tem alguém aqui cuidando do pátio. Os pais perderam a tranquilidade — resume a diretora Raquel Moura dos Santos.
Apavorados
Entre os pais dos alunos, ficou a sensação de medo. Todos os dias eles se organizam em um grupo de WhatsApp para definir quem ficará cuidando da circulação do pátio:
— Foi um susto para nós porque a gente já sabe como é o bairro — afirma a dona de casa Simone Lopes Garcia, 34 anos.
— Ficamos apavorados, porque a violência acontece na nossa porta, convivemos com ela todos os dias — admite a costureira Michele Vitorino, 34 anos.
Além de atuar na prevenção de delitos, o guarda, que era o mesmo há seis anos na escola, era uma referência para os alunos.
— Era muito mais que um serviço de portaria que ele fazia — pontua o músico e educador Marcos de Oliveira, 38 anos.
Vice-diretor já foi ameaçado de morte
Sem a presença da Guarda Municipal, a Escola Municipal de Ensino Fundamental Nossa Senhora de Fátima, localizada no bairro Bom Jesus, sofre com invasões todos os finais de semana. Um furo na cerca da escola facilita a entrada de indivíduos que circulam pela escola.
— Até hoje não levaram nada, mas esse é um medo constante — admite o vice-diretor, João Kunz.
João, ao impedir a entrada de um estranho no portão da escola no turno da noite, já foi ameaçado de morte:
— De um ano para cá, não temos mais nenhum guarda. Passa a guarnição de vez em quando, mas não é a mesma coisa que ter um guarda aqui. À noite, se não tem alguém cuidando, entra todo tipo de gente.
O diretor acredita que, se não houvesse um revezamento entre professores e funcionários no cuidado do portão, muitos alunos já teriam deixado a escola:
— É muito raro aparecer um guarda aqui.
Na manhã de segunda-feira, quando a reportagem esteve na escola, um homem que parecia estar sob efeito de drogas entrou pelo portão por volta das 8h, subiu até o segundo pavimento, parou na secretaria e pediu dinheiro.
A auxiliar de serviços gerais Santa Margarida Oliveira de Souza, 61 anos, é uma das funcionárias que divide as funções com os cuidados da portaria.
— Já tivemos dois guardas por turno e agora ficamos sem nada. Anos atrás, a escola ficava aberta final de semana para usarem, tinha guarda o tempo todo — lamenta ela.
Associação de professores repudia medida
Um dos diretores do Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (Simpa) José Francisco Espírito Santo, guarda municipal há 25 anos, considera que a presença da guarda faz um serviço preventivo de segurança:
— Com a experiência, eles conseguem detectar com antecedência qualquer tipo de fato que possa vir a acontecer, algo que possa gerar um delito, contendo ameaça a alunos, professores ou funcionários.
A Associação dos Professores Municipais de Porto Alegre (Atempa), por meio de nota, afirmou que a ausência da Guarda faz aumentar a insegurança de profissionais da educação, alunos e pais. A entidade afirma que condena essa política que, "em momento de grande preocupação da sociedade com a insegurança vivida, só faz ampliar o problema."
Para secretário de Segurança, mudança é positiva
Embora a guarda municipal não seja mais uma presença fixa nas escolas, o secretário de municipal de Segurança, Kleber Roberto de Lima Senisse, encara a mudança de forma positiva. Segundo ele, a alteração faz parte da criação de um programa de segurança escolar:
_ A guarda não está sendo retirada da escola, mas sim intensificada na escola, estará mais presente a partir de agora.
O "mais presente" do secretário se refere ao patrulhamento com guarnição nas entradas, saídas e nos recreios da escola. Segundo ele, as guarnições estão interligadas com o Centro Integrado de Comando da Cidade de Porto Alegre (Ceic), ao contrário do guarda fixo nas escolas que não tinha esse contato.
Fazem parte do programa de segurança escolar citado pelo secretário, além da Guarda Municipal, o Ceic, a Procempa e a Secretaria Municipal de Educação (Smed).
Enquanto isso, segundo Kleber, os diretores das escolas estão recebendo rádios com comunicação digital para que possam realizar chamadas de emergência:
— Temos um programa que envolve todos. Seria mais simples colocar um guarda parado na escola. A segurança se faz pelo conjunto de ações.
Situações pontuais
O secretário reconhece que a maioria das escolas municipais está localizada em áreas de risco, mas afirma que as situações de violência enfrentadas dentro do pátio das instituição são muito pontuais:
— Na maioria das escolas que conversei, não há problemas de segurança e o guarda acabava fazendo as vezes de porteiro.
Kleber nega que a mudança tenha ocorrido por falta de efetivo na Guarda Municipal. A prefeitura fez concurso público para o cargo e tem 290 aprovados que nunca foram chamados.
— Ter mais gente (guardas) não quer dizer que teremos mais segurança.
Segundo ele, não há previsão para o ingresso dos guardas aprovados em concurso:
— Dependo da capacidade financeira da prefeitura.
A Smed está elaborando um licitação para contratação de porteiros para todas as escolas. Porém, ainda não tem o valor da contratação nem previsão de quando estarão nas escolas.