Dodô não leva relógio para o serviço: sabe que horas são pelo tamanho da sua sombra ou da fome. Ouvindo apenas os grilos, os sapos e os cachorros do vizinho, ele trabalha descalço nas terras que cultiva há mais de 40 anos no Lami, no extremo sul de Porto Alegre.
— Gostoso é na primavera, quando a gente sai de dentro de casa e tem todo esse orvalho. Volto para casa com os pés mais limpos do que quando eu saí — descreve Salvador Rosa da Silva, 68 anos.
O homem de semblante afável e não muito mais do que 1m50cm acorda por volta das 5h. Toma café e vai antes de clarear para a roça da sua propriedade, de menos de dois hectares, que chama de “meu paraíso”. Sem agrotóxicos, ele planta morango, couve, alface, alho e cebola, que serão vendidos na feira da Redenção. Sua esposa, Vera Lucia Ferreira da Silva, 62 anos, prepara schmier e pastas com o excedente, evitando o desperdício.
Dodô usa uma enxada gasta de mais de 30 anos e um garfo ainda mais velho, que pertenceu ao avô de Vera. As fases da lua ajudam a planejar a plantação, e ele sabe quando vai chover de acordo com a direção dos ventos. São coisas que aprendeu com o pai e com o avô, que também eram agricultores.
— É uma herança — destaca.
Para ele, o segredo da lida com a terra é respeitar o tempo de plantar e de colher. Dodô não vê esse respeito na “cidade”, onde as pessoas, sempre correndo, veem o tempo como um inimigo. Não consegue nem se imaginar morando em um apartamento no centro da Capital:
— Seria como prender um passarinho livre em uma gaiola.