
Duas cadeiras de praia e três banquinhos de madeira ficam à espera dos vizinhos na garagem de Celso Botta, 74 anos, na Rua da República, na Cidade Baixa, em Porto Alegre. Sem marcar hora, sem combinar em grupo de WhatsApp, os também aposentados Jócio Mathias de Faria, 81, Ana Maria Dorneles, 68, João Carlos Monteiro Filho, 64, e Nilda Dall Agnon, 78, passam pelo portão de madeira antigo em algum momento do dia para jogar conversa fora. Para Celso, “chegou, tá em casa”:
— Eu ofereço um licorzinho, uma cachacinha, uma bala. Por sinal, quer uma bala, João? Tem aí, eu comprei.
O papo rola solto por duas, três, até quatro horas, nas contas de João. Cercados por latas de tinta e garrafas de fluido para radiador de carro, os amigos falam de futebol, de política e do cotidiano. Um assunto que sempre volta à pauta é o galo de um morador do prédio da frente.
— Ele incomoda todo mundo porque canta a madrugada toda. É có-có-ri-có-có — explica Celso, sem deixar de achar graça.
O aposentado tira seu Versailles ano 1995 para rua ainda pela manhã para dar espaço na garagem, decorada com pelo menos quatro calendários de parede. Também tem um cantinho reservado para ajeitar a aparência, com um espelhinho, gel, lâmina de barbear e perfumes, e outro para suas ferramentas.

— Quando tem alguma torneira dos vizinhos que não tão funcionando, vou lá e ajeito — conta.
Depois, ele fica esperando os vizinhos enquanto faz suas palavras cruzadas, na companhia da cadela Lilica.
— Quando a garagem está fechada, a gente estranha — comenta Ana Maria.
Quem passa pela Rua da República, normalmente apressado, fica encarando a turma conversando sem pressa. Parece que o tempo tem uma velocidade diferente portão adentro. Nem eu senti a noite caindo, transformando a garagem do Celso no lugar mais reluzente da Rua da República.
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