Em uma cidade de tão raras unanimidades, a revitalização da orla do Guaíba se revelou um achado. A combinação entre curiosidade e tempo bom levou milhares de porto-alegrenses ao espaço nos últimos fins de semana, mas também trouxe um bom problema: como o trânsito vai lidar com um novo polo de lazer na cidade?
Em alguns momentos da tarde, o congestionamento chegou até a ponte do Guaíba. Tanto ruas de médio porte, como a Duque de Caxias, quanto vias estreitas do Centro Histórico na região do Alto da Bronze, acostumadas com uma calmaria aos sábados e domingos, transformaram-se em imensos estacionamentos com flanelinha e tudo. A General Portinho ainda tinha carros estacionados às 21h de domingo. Também foi o caso da Vasco Alves, onde mora o bibliotecário Leandro Oliveira:
— Como não tenho carro, faço tudo a pé por aqui. Já tinha observado um movimento maior na região por causa da pracinha do aeromóvel (Praça Julio Mesquita). Mas, neste final de semana, foi muitíssima gente mesmo. Na última quadra da Andradas, só se enxergava pessoas caminhando naquele sentido.
Locais como o Parque Moacyr Scliar, nome oficial do novo espaço, são chamados por engenheiros de trânsito de "polos atratores". O diferencial deste é que, diferentemente de estádios de futebol ou casas de espetáculo, não precisou ou precisará de grandes eventos para atração de público. Por isso, o esforço de órgãos como a EPTC, na opinião de especialistas, terá de ser constante, e os espaços no entorno precisarão de adaptações.
— Em algumas questões, acho que não adianta lutar contra. Exemplo: por melhores que sejam as alternativas de transporte público, a maioria tentará acessar a região de carro. As vias expressas já existem e são ótimas. Então, a principal questão ali é vagas de estacionamento — declara Rafael Roco de Araújo, professor da escola politécnica da PUCRS, mestre em Engenharia de Transporte e Logística.
Araújo observa a quantidade de prédios públicos na região que funcionam na lógica inversa da nova orla: tem estacionamentos lotados durante a semana e completamente ociosos nos finais de semana. São os casos, por exemplo, da Câmara Municipal e do Centro Administrativo Fernando Ferrari.
— Tranquilamente poderia haver ali PPPs (parcerias público-privadas) para utilizar essas vagas de prédios públicos, servindo à cidade aos finais de semana e dando parte dos rendimentos aos órgãos públicos — sugere o especialista.
Para João Fortini Albano, engenheiro civil e doutor em Transportes da UFRGS, não há como o estacionamento de rua absorver a demanda na região. Por isso, vias do Centro Histórico, inadequadas para a demanda repentina, sofreram tanto.
— A utilização dos estacionamentos de prédios de estatais é uma ótima alternativa, mas a melhor seria apostar em estacionamentos subterrâneos, em áreas como a do Parque Harmonia, a exemplo da Fundação Iberê Camargo. É a falta de estacionamento que gera o congestionamento, porque o sujeito vai circular até encontrar uma vaga. Mas é legal lembrar que até certo ponto a demora é normal. O trânsito lento para uma região concorrida não é diferente da fila para um bom restaurante — compara.
Para evitar o problema, o melhor é apostar em outros modais, mesmo que integrados ao uso do carro. Uma parada do catamarã, por exemplo, na Usina do Gasômetro serviria para integrar carros estacionados no Barra Shopping Sul e mesmo de Guaíba. Conforme observado pela EPTC, o mesmo já ocorre com bicicletas e o Praia de Belas Shopping. Muita gente estacionou ali e acessou a região com as bicicletas do BikePoa, com as próprias bicicletas ou mesmo a pé.
Sobre o uso do transporte público, os especialistas alertam para a importância de a prefeitura oferecer, além de linhas em abundância, boas paradas. É fundamental que as pessoas se sintam seguras para retornar dos passeios, ao entardecer.
— Não precisa um painel eletrônico com a distância dos ônibus e tudo mais. Basta informar as linhas, serem confortáveis e bem iluminadas — opina Araújo.
De qualquer forma, a mudança no perfil da região aos finais de semana é mais elogiado do que criticado.
— Alguns vizinhos que temem que o movimento degrade o local, mas eu acho exatamente o contrário. Quando a cidade "compra" uma ideia de lugar, a tendência é tomar mais cuidado com ele. A própria praça do aeromóvel é exemplo disso. Espero que a orla siga o mesmo caminho — declara Leandro.