Aos sábados, cadeiras de praia ganham status de divã na Praça da Alfândega, no centro de Porto Alegre. A iniciativa é de um coletivo de 12 psicanalistas, que se formou para escutar qualquer pessoa, independentemente de renda ou classe social.
– A ideia é democratizar a psicanálise. Muitas pessoas vivem apenas com um salário mínimo, ficando inviável a possibilidade de um atendimento analítico – comenta a psicanalista Fernanda Vial, uma das idealizadoras.
Os atendimentos gratuitos do Psicanálise na Praça começaram no fim de semana passado e devem ocorrer semanalmente, das 11h às 14h, na área entre o Museu do Margs e o Memorial dos Correios. As sessões são individuais, destinadas a pessoas de todas as idades, e ocorrem por ordem de chegada.
À medida em que vão se aproximando os interessados, formam-se duplas de psicanalista e paciente, que tiram sua cadeira da roda para buscar algum local onde se sintam mais à vontade para conversar.
O coletivo formou-se há um mês, aproximadamente. A ideia surgiu com Fernanda e sua colega de consultório, Cândice Damé — elas se questionaram o que poderiam fazer diante da "alienação da sociedade", que enfrenta crises política e social, pedidos de retorno da ditadura, além da crescente violência nas ruas e da vulnerabilidade social.
– Decidimos disponibilizar uma escuta a pessoas que, na maioria das vezes, nunca foram escutadas, não tinham um espaço para falar sobre as suas angústias e sofrimentos. Há um desejo de regate do sujeito autônomo e desejante.
As psicanalistas então contataram colegas de profissão e passaram a pesquisar coletivos que existem no Brasil – há iniciativas parecidas em São Paulo, Vitória, Brasília e Curitiba. Fernanda chegou a ir até a capital paulista para conhecer o projeto Psicanálise na Praça Roosevelt.
Para Porto Alegre, o grupo elegeu a Praça da Alfândega, no Centro Histórico, com a ideia de incentivar a ocupação de um dos pontos públicos que têm a cara da cidade. A psicanalista relata que a graça do projeto passa pela imprevisibilidade das ruas:
– Nos consultórios temos um ambiente estruturado, porém na praça lidamos com o barulho, com o inusitado, com as adversidades que a vida na cidade nos proporciona. E isso ressalta a importância da análise pessoal do analista.
Fernanda explica que os pacientes podem voltar sempre que quiserem. Podem ser atendidos por vários psicanalistas diferentes ou pedir a continuidade do atendimento com um em específico – se tiver alguém na frente, deverá colocar seu nome numa lista de espera e aguardar. Como a praça fica muito perto do trensurb, de terminais de ônibus e do Mercado Público – e é também o espaço da Feira do Livro –, o coletivo sabe que também atenderá gente só de passagem, que não deve retornar para determinar uma periodicidade e um processo analítico. Mesmo assim, será uma experiência válida, segundo a psicanalista.
– É impossível prever o que um encontro analítico pode gerar na vida de uma pessoa. Mas acreditamos que pode ser um momento de entrar em contato consigo e pensar sobre a sua vida e escolhas. Um marca pode ser inscrita.
Como o grupo não dispõe de atendimento médico no local, não trabalhará com situações graves, que exijam internações ou emergências psiquiátricas. Quando chove, os atendimentos são cancelados. Se houver algum outro impeditivo, será divulgado na página do coletivo no Facebook.