De um dia para o outro, o governo Nelson Marchezan foi do domínio da pauta à derrota. O fracasso em aprovar o projeto que mudava o Estatuto dos Funcionários Públicos na quinta-feira (12) começou na tarde anterior. Depois ter sucesso em colocar duas propostas que afetam os servidores à frente da votação da revisão do IPTU — pegando oposição e municipários de surpresa e agradando empresários que pressionam por cortes de despesas —, sofreu um revés atrás do outro.
O "inferno astral" do prefeito, como definiu o presidente da Câmara, Valter Nagelstein, culminou no final da noite da sexta-feira 13 com uma decisão judicial que obriga a Casa a usar a última sessão antes do recesso, segunda-feira, para analisar a admissibilidade de um pedido de impeachment de Marchezan.
O governo vinha numa sequência de vitórias. Conseguiu aprovar os três projetos menos polêmicos do pacote: de parcerias público-privadas (PPP), de parcelamento de dívidas e da criação de um cadastro de inadimplentes. Ao inverter a pauta na última quarta-feira, almejava acelerar o ritmo das votações para estender o sucesso a uma das propostas mais polêmicas — que mexe no Estatuto dos Servidores Públicos ao alterar avanços, adicionais, incorporação de gratificações e regimes especiais de trabalho.
O clima na reunião de líderes na Câmara Municipal, na manhã do dia 11, era de que Marchezan havia conseguido apoio para aprovar o projeto nas horas seguintes, já que o colocou como prioridade para votação. O que fugiu das previsões do governo foi o tumulto que tomou conta da Casa.
Furiosos com a manobra, servidores se articularam para ir até o parlamento. O presidente Valter Nagelstein (MDB) restringiu a entrada em plenário, limitando ao número de assentos. Houve protesto, quebra-quebra e ação da Brigada Militar. Era natural que houvesse reação, mas não era esperado que chegasse ao ponto de cancelar o dia de votações. Com os trabalhos inviabilizados pelo gás lacrimogêneo lançado pela tropa de choque, Nagelstein encerrou a sessão ordinária. Foi o prenúncio de que a vitória poderia não se concretizar.
Na manhã de quinta-feira, dia sem votações, os vereadores foram à Câmara para, em sessão extraordinária, fazer o que não tinha sido possível no dia anterior: apreciar o projeto do Executivo. Os clima permanecia tenso. Do lado de fora, servidores protestavam e deflagravam greve a partir do dia 15. Além disso, uma liminar da Justiça, pedida por Mauro Zacher (PDT), obrigava a Câmara a abrir as galerias e votar vetos do governo à lei dos taxistas, frente a dezenas deles em plenário. Durante oito horas, a oposição postergou a votação. A noite se aproximava quando o governo decidiu apreciar os vetos em bloco. Nem os vereadores entendiam direito o que estavam votando de forma acelerada. Em 20 minutos, as 14 restrições do prefeito à lei aprovada pela Câmara em março foram derrubadas — inclusive, a que muda a cor dos táxis para branco.
Sem apoio de independentes, governo fala em populismo
Para aprovar o projeto do funcionalismo, colocado em votação na sequência, Marchezan precisava de 19 votos. Era fundamental a fidelidade da frágil base aliada e do apoio de parlamentares do bloco independente. Aí, o clima já era de derrota. Diante do clima cada vez mais desfavorável, vereadores independentes e aliados preferiram não arcar com o desgaste de um voto favorável ao governo em caso de derrota. O placar foi de 22 a seis.
Segundo o líder do governo na Câmara, Moisés Barboza (PSDB), a falta de adesão dos vereadores deveu-se a uma postura "eleitoreira": pré-candidatos estariam evitando se indispor aprovando projetos polêmicos. Levantamento de GaúchaZH mostra que, dos 36 integrantes da Casa, 21 são pré-candidatos a deputado estadual, federal ou governador.
— Ano eleitoral, populismo, politicagem — definiu Barboza, depois de o painel eletrônico mostrar o resultado e desencadear comemorações conjunta de parlamentares que estão em lados diversos do espectro político, como Fernanda Melchionna (PSOL), Clàudio Janta (SD) e Thiago Duarte (DEM).
Partido do vice-prefeito Gustavo Paim, o PP contribuiu com os votos contrários de Cassiá Carpes e Monica Leal. De seus cinco vereadores, o MDB teve dois que votaram contra e três que não votaram (entre eles, Nagelstein, porque e presidente da Casa).
— Apresentei uma emenda para que fossem garantidos os direitos dos servidores (atuais) e que se alterasse para os novos. Como minha emenda não foi aprovada, logicamente não votei a favor do projeto — explicou Pablo Mendes Ribeiro, usando a justificativa adotada por outros emedebistas.
Peças importantes nos cálculos para aprovação, PRB (dois votos) e PTB (quatro votos) foram contrários. Acabou com que a oposição, formada oficialmente pelos sete parlamentares de PT e PSOL, ficou em vantagem.
— (O projeto) foi enterrado pela ampla maioria dos votos. Vitória da cidade, dos servidores e também do combate ao autoritarismo — disse Fernanda, sobre a relação do prefeito com o Legislativo, criticada desde que Marchezan assumiu o Paço Municipal há um ano e meio.
Como se já não faltassem ingredientes explosivos, o líder do governo Moisés Barboza (PSDB) é considerado fraco por alguns de seus pares, entre aliados, neutros e de oposição. Pelo menos quatro vereadores ouvidos pela reportagem apontaram sua falta de habilidade em dialogar com os parlamentares _ o que alguns creditaram à falta de experiência do tucano, em seu primeiro mandato na Câmara Municipal.
— Ele é uma boa pessoa, mas tem dificuldade em promover essa articulação — disse um dos parlamentares.
O reflexo foi que o secretário Leonardo Busatto (Fazenda), elogiado pela capacidade técnica, passou a sexta-feira dialogando com vereadores na Câmara.
É tudo pauta eleitoral, populismo, politicagem. Não vamos entrar nessa.
Isso mostra mais uma vez a fraqueza dessa gestão antidemocrática.