Em tempos de polarização de discursos, pode ser difícil vislumbrar parlamentares de situação e oposição sentados à mesa para discutir pautas em comum. Mas uma ferramenta política amplamente difundida na Câmara Municipal não raro promove esse tipo de evento em Porto Alegre. Previstas no regimento da Casa desde o fim da década de 1990, as frentes parlamentares são meios de os vereadores deixarem as diferenças de lado e se reunirem em torno de temas considerados prioritários para a cidade.
– As frentes são grupos de parlamentares que se reúnem em torno de uma ideia, um tema ou uma questão de interesse local, para somar esforços. Elas podem resultar em sugestões legislativas, apresentação de projetos ou produzir estudos, embora não tenham essa obrigação. Têm um caráter essencialmente político – explica o diretor legislativo da Câmara Municipal, Luiz Afonso Peres.
Somente desde o começo do ano, os vereadores aprovaram a formação de 35 frentes parlamentares – pelo menos outras cinco estão na Ordem do Dia para serem apreciadas –, que discutem os mais diversos assuntos. Entre as preferidas, estão questões relacionadas à saúde e à economia local – 14 grupos debatem pautas dessas áreas, sete de cada –, seguidas de pautas de direitos humanos – abordadas em seis frentes. Também há grupos discutindo temas referentes ao funcionalismo, ao meio ambiente, à educação e à segurança, até aqueles que debatem procedimentos internos.
As frentes são consideradas suprapartidárias porque permitem que vereadores de diferentes legendas integrem o mesmo grupo. Elas podem ser requeridas por um ou mais legisladores, e permitem que qualquer parlamentar participe de suas atividades. A multiplicidade se deve, entre outros fatores, à facilidade para propor e aprovar a formação de uma frente: o requerimento de abertura, que não exige justificativa para a proposição, precisa ser aprovado por maioria simples (metade do quórum mais um) para liberar a criação do grupo.
Diferentemente das comissões, também destinadas a assuntos específicos, não há limite de frentes que podem coexistir na Casa. Seu funcionamento também está livre de exigências impostas às comissões, que precisam realizar encontros periódicos e apresentar relatórios. Uma das razões é que as frentes contam com pouca estrutura: elas precisam ser criadas e geridas pelos parlamentares, sem auxílio de outros funcionários da Câmara. A menos que o presidente ponha fim aos trabalhos, ela segue ativa até o fim da legislatura, quando todas são encerradas automaticamente.
Segundo a diretoria legislativa, eventualmente os encontros se desdobram em movimentos concretos, como projetos de lei e estudos que auxiliam no trabalho dos legisladores ou em setores da prefeitura. Um exemplo recente é a lei que regulamentou o transporte turístico na Capital, de autoria do vereador João Carlos Nedel (PP). Proponente e presidente da Frente Parlamentar do Turismo (Frentur), ele elaborou o projeto de lei a partir dos encontros do grupo. Um dos mais antigos da Casa, renovado nesta legislatura, foi criado para discutir maneiras de fomentar o turismo em Porto Alegre.
– Esse era um assunto que não tinha uma legislação específica, e partiu de uma discussão da Frentur. Otimizar esses processos é o objetivo central da frente – diz o vereador.
Frentes substituem o lobby, diz especialista
O trabalho das frentes tem duas funções primordiais, na visão de especialistas: dar visibilidade a temas poucos representados no parlamento e aglutinar parlamentares com interesses comuns, permitindo a articulação em torno de projetos específicos.
– As frentes parlamentares, no Brasil, são uma espécie de versão brasileira da pressão por interesse, porque aqui o lobby não é permitido. Em geral elas são mais ativas quando têm um envolvimento direto do parlamentar com o grupo que defende – explica o cientista político e professor de Relações Internacionais da Unisinos, Bruno Lima Rocha.
Em âmbito nacional, um bom exemplo do poder desses grupos são as bancadas evangélica, ruralista e a chamada "bancada da bala", que reuniram parlamentares de diferentes estados e conseguiram levar adiante projetos polêmicos, como o Estatuto da Família, que reconhece a família apenas como a entidade "formada a partir da união entre um homem e uma mulher, por meio de casamento ou de união estável".
Apesar do destaque adquirido pelos grupos conservadores, os temas mais "consensuais", como saúde, fomento à economia, meio ambiente e segurança pública costumam estar entre os assuntos que mais originam frentes parlamentares. Questões relacionadas a direitos humanos também se mostram abundantes nos grupos de discussão, frequentemente propondo debates acerca de grupos pouco representados pelas políticas públicas.
Recordista de requerimentos de frentes parlamentares em 2017, com quatro pedidos – três deles já aprovados – a vereadora Sofia Cavedon (PT) acredita que os grupos funcionam como um canal entre parlamentares e população para tratar de questões "agudas" da cidade.
– A frente dá uma reposta para um tema mais conjuntural, permitindo ter agilidade nas respostas e intervir no problema. A do Direito Social ao Esporte, Lazer e Recreação teve intensa movimentação até a votação da nova estrutura (que extinguiu a pasta de Esporte). Elas dão uma riqueza muito grande para o parlamento, uma capacidade maior de escuta – diz a vereadora, que propôs ainda frentes sobre os Povos de Matriz Africana, a Previdência Pública e as Pessoas em Situação de Rua.
Embora muito difundidas entre os parlamentares, as frentes ainda são mistério para boa parte do eleitorado. Não à toa: no site da Câmara, por exemplo, não há um setor específico onde se possa encontrar informações sistematizadas sobre esses grupos – as notícias e o material de divulgação partem da assessoria de cada vereador. A busca pelo termo "frente parlamentar" também não ajuda: como não mostra resultados apenas relativos aos grupos, exigirá do interessado muita disposição para consultar mais de 20 páginas, sem garantia de sucesso. Conforme a diretoria legislativa, o problema ocorre porque não há "estrutura institucional" para organizar essas informações. Na interpretação do cientista político Bruno Lima Rocha, a falta de uma previsão regimental que sistematize e disponibilize acesso ao trabalho desses grupos gera uma "lacuna de transparência" no sistema político.
– É criticável, porque qualquer cidadão tem direito de saber o funcionamento do estado brasileiro – avalia.
Defender estatais e "deslegislar":
conheça as frentes mais peculiares
Porto Alegre tem frentes para todos os gostos: das que tratam da saúde do homem, da saúde da mulher, dos idosos, da economia criativa, da segurança no Centro Histórico, dos servidores e até do maltratado Arroio Dilúvio. Mas também há parlamentares que preferiram colocar em pauta assuntos menos óbvios, como estatais administradas pelo governo do Estado ou a revogação de leis vigentes.
Proposta por Airto Ferronato (PSB), a Frente Parlamentar em defesa da CEEE, Banrisul, Corsan, Companhia Rio-grandense de Mineração e Sulgas está entre as peculiares da atual legislatura. Seu objetivo, segundo o vereador, é propor discussões sobre a manutenção das empresas administradas pelo governo estadual, algumas delas na mira da atual gestão, e proteger "funcionários que vivem em Porto Alegre".
– Como algumas têm sede em Porto Alegre e tratam de um grande número de funcionários daqui, ela tem esse viés. No momento, ela está parada, mas recebi visita de pessoas do Badesul mostrando interesse em participar – diz o presidente da frente, que enviou à Assembleia um documento contra a não realização do plebiscito sobre a venda da CEEE.
Há, porém, um caso mais curioso: legisladores unidos para extinguir leis. Na Capital, esse é o viés da Frente Parlamentar de Revisão Legislativa, ou Revogaço, como ficou conhecido grupo proposto pelos vereadores Valter Nagelstein (PMDB) e Wambert Di Lorenzo (PROS). Uma das mais ativas da Casa, com encontros mensais, ela se destina a "acabar com leis inúteis, inócuas" e "contribuir com a desburocratização".
– Isso surgiu na campanha, quando prometi ser um "vereador para 'deslegislar'". Temos um conjunto de leis que atrapalham a vida das pessoas e prejudicam o empreendedorismo. Então estamos fazendo um pente fino, junto com a frente da Desburocratização (presidida por Felipe Camozzatto, do Partido Novo). Resolvemos estudar esse excesso – explica.
Mas o que seria uma lei inútil?
– Touchè. Todo vereador acha que é relevante a sua lei. A gente estava enxugando gelo: tinha vereador propondo lei para ter cardápio para diabéticos nos restaurantes (projeto de lei de Tacísio Flecha Negra, do PSD, retirado antes de ir à votação). Temos uma perspectiva que o estado não deve interferir na vida das pessoas – argumenta.
Recentemente, em meio à polêmica, a frente conseguiu a anulação da norma que proibia a fabricação de fogos de artifício na Capital. Outros cinco pedidos de revogação aguardam apreciação, entre eles o de uma lei que obriga empresas que comercializam aparelhos de celular a distribuir material explicativo sobre os efeitos da radiação emitidas por eles e de outra que estabelece a obrigatoriedade de recantos infantis em prédios residenciais.
Para o cientista político e professor da UFRGS Luis Gustavo Grohmann, apesar de causar estranhamento, frentes que discutam temas mais abrangentes, como no caso do grupo comandado por Ferronato, podem mostrar seu valor no sentido de unificar forças em torno de uma causa do Estado que se reflete na cidade. Já o grupo que "deslegisla", segundo o pesquisador, seria desnecessário, uma vez que revogar leis, assim como criá-las, é parte das atribuições dos parlamentares.
– Estão querendo esquentar uma coisa que já é própria dos legisladores: eles já têm o poder de aprovar ou anular leis. E isso é sempre uma avaliação subjetiva, porque o que é inútil para um não necessariamente é inútil para outro – avalia.
Todas as 35 Frentes Parlamentares
criadas neste ano na Câmara de Porto Alegre
E os vereadores que as criaram
EDUCAÇÃO
Fernanda Melchionna (PSOL): FRENTE PARLAMENTAR DE INCENTIVO À LEITURA
Professor Alex Fraga (PSOL): FRENTE PARLAMENTAR EM DEFESA DA EDUCAÇÃO PÚBLICA
SAÚDE
Marcio Bins Ely (PDT): FRENTE PARLAMENTAR EM DEFESA DAS PRÁTICAS INTEGRATIVAS EM SAÚDE
Marcio Bins Ely (PDT): FRENTE PARLAMENTAR DE INCENTIVO À DOACÃO DE ÓRGÃOS E SANGUE
Mendes Ribeiro (PMDB): FRENTE PARLAMENTAR EM ATENÇÃO À SAÚDE DO HOMEM
Dr. Goulart (PTB): FRENTE PARLAMENTAR EM DEFESA DA SAÚDE DA MULHER
Wambert Di Lorenzo (Pros): FRENTE PARLAMENTAR EM DEFESA DA VIDA
Dr. Thiago Duarte (DEM): FRENTE PARLAMENTAR ANTIDROGA – FRENPAD
Dr. Thiago Duarte (DEM) e outros: FRENTE PARLAMENTAR EM DEFESA DO HOSPITAL PARQUE BELÉM
DIREITOS HUMANOS
Alvoni Medina (PRB): FRENTE PARLAMENTAR DE DEFESA DOS DIREITOS DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA
Alvoni Medina (PRB) e Dr. Goulart (PTB): FRENTE PARLAMENTAR DO IDOSO
Sofia Cavedon (PT): FRENTE PARLAMENTAR EM DEFESA DO DIREITO SOCIAL AO ESPORTE, LAZER E RECREAÇÃO
José Freitas (PRB): FRENTE PARLAMENTAR EM DEFESA DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
Clàudio Janta (SD): FRENTE PARLAMENTAR DE APOIO AO TRABALHO DECENTE
Sofia Cavedon (PT) e outros: FRENTE PARLAMENTAR EM DEFESA DOS POVOS TRADICIONAIS DE MATRIZ AFRICANA
SEGURANÇA
Comandante Nádia (PMDB): FRENTE PARLAMENTAR DE SEGURANÇA PÚBLICA MUNICIPAL
Moisés Maluco do Bem (PSDB): FRENTE PARLAMENTAR DE RECUPERAÇÃO DO CENTRO HISTÓRICO DA CAPITAL
FUNCIONALISMO
Fernanda Melchionna (PSOL): FRENTE PARLAMENTAR EM DEFESA DOS SERVIDORES MUNICIPAIS E DOS SERVIÇOS PÚBLICOS DE QUALIDADE
Aldacir Oliboni (PT): FRENTE PARLAMENTAR EM DEFESA DA ESTRATÉGIA DA SAÚDE DA FAMÍLIA E DE SEUS PROFISSIONAIS
Roberto Robaina (PSOL) e Paulinho Motorista (PSB): FRENTE PARLAMENTAR EM DEFESA DA CARRIS E DA EFICIÊNCIA NO TRANSPORTE PÚBLICO
Sofia Cavedon (PT): FRENTE PARLAMENTAR EM DEFESA DA PREVIDÊNCIA PÚBLICA
MEIO AMBIENTE
Rodrigo Maroni (Podemos): FRENTE PARLAMENTAR EM DEFESA DOS ANIMAIS
Moisés Maluco do Bem (PSDB): FRENTE PARLAMENTAR EM DEFESA DO ARROIO DILÚVIO
Mauro Pinheiro (Rede): FRENTE PARLAMENTAR EM DEFESA DA SUSTENTABILIDADE
ECONOMIA
Marcio Bins Ely (PDT): FRENTE PARLAMENTAR DE APOIO AO COOPERATIVISMO NA CÂMARA MUNICIPAL DE PORTO ALEGRE – FRENCOOP/POA
João Carlos Nedel (PP): FRENTE PARLAMENTAR DO TURISMO – FRENTUR
Aldacir Oliboni (PT): FRENTE PARLAMENTAR EM DEFESA DO ARTESANATO E DA ECONOMIA SOLIDARIA
Felipe Camozzato (Novo): FRENTE PARLAMENTAR DO EMPREENDEDORISMO E DA DESBUROCRATIZAÇÃO – FREPED
Adeli Sell (PT): FRENTE PARLAMENTAR EM DEFESA DO ORÇAMENTO PARTICIPATIVO E DA PARTICIPAÇÃO POPULAR
Mauro Zacher (PDT): FRENTE PARLAMENTAR EM DEFESA DA CONTINUIDADE DO PROJETO DE REVITALIZAÇÃO URBANA E RECONVERSÃO ECONÔMICA DO 4º DISTRITO
Valter Nagelstein (PMDB) e outros: FRENTE PARLAMENTAR DE TECNOLOGIA E INOVAÇÃO
TRÂNSITO E MOBILIDADE
João Carlos Nedel (PP): FRENTE PARLAMENTAR PARA MELHORIA DO TRÂNSITO _ FRENTRANSITO
Andre Carús (PMDB): FRENTE PARLAMENTAR EM DEFESA DO MEIO PASSE
PROCEDIMENTOS INTERNOS
Wambert Di Lorenzo (Pros) e Valter Nagelstein (PMDB): FRENTE PARLAMENTAR DE REVISÃO LEGISLATIVA – REVOGAÇO
INSTITUIÇÕES PÚBLICAS
Airto Ferronato (PSB): FRENTE PARLAMENTAR EM DEFESA DA CEEE, BANRISUL, CORSAN, COMPANHIA RIOGRANDENSE DE MINERAÇÃO E SULGÁS