*Astrônomo. Pesquisador sênior do CNPq e professor aposentado colaborador do Departamento de Astronomia da UFRGS
Em 1955, dois anos antes da famosa conferência de Chapel Hill, morrera aquele velhinho judeu alemão, de aparência descontraída e jovial, cuja fotografia, montado numa bicicleta rodopiando nos jardins da Universidade de Princeton, circulou em todo o mundo e invadiu o imaginário de gerações de estudantes de ciências 60 anos antes da existência do Instagram e de outras mídias.
Segundo Peter Saulson, no encontro de Chapel Hill fora resolvida a questão da realidade das ondas gravitacionais (OG), pelo tácito reconhecimento por parte dos presentes de que poderia, em princípio, ser construído um detector para essas ondas. A conferência fora organizada por Josh Goldberg, que ampliou grandemente o entendimento de como a fusão de estrelas binárias poderia produzir ondas gravitacionais. Uma predição genuína da Relatividade Geral (RG), feita pelo próprio Albert Einstein (1879 - 1955), o velhinho do início do texto, em 1916, apenas um ano após ter publicado os fundamentos da sua famosa teoria.
Leia mais:
Comprovada última parte que faltava da Teoria da Relatividade de Einstein
"Ganhamos outro sentido para observar o Universo", diz cientista
"Ondas gravitacionais serão rotina na ciência", diz físico brasileiro que participou do projeto
Devemos levar em conta que, em 1916, nem a própria Teoria da Relatividade Geral tinha uma predição testada, o que só viria a ser feito durante o eclipse total do Sol de 1919. Na época, ainda não se sabia se o Universo se restringia aos limites da nossa galáxia, a Via Láctea. Podemos então imaginar nesse contexto - no qual a própria ideia do entrelaçamento do espaço, do tempo e da matéria estava engatinhando - quão difícil era ainda aceitar a formação de ondulações propagando-se no tecido espaço-temporal.
Na mencionada conferência de Chapel Hill, estava presente Joseph Weber (1919 - 2000), que construiu, nos anos 1960, o primeiro detector de ondas gravitacionais. Vindo da marinha dos EUA, participou em várias frentes na II Guerra Mundial. Weber interessou-se pela RG nos anos 1950 e construiu o primeiro detector do fenômeno, conhecido como Barra de Weber. No entanto, todas as detecções de ondas gravitacionais reivindicadas por Weber com o instrumento foram sistematicamente refutadas como falsas. Nesse contexto ainda, Weber, com Reiner Weiss e outros, deixou as primeiras ideias para detectar ondas gravitacionais com interferometria de lasers. Cálculos mais acurados do difícil problema da fusão de objetos, com características físicas tão extremas como a dos Buracos Negros e as Estrelas de Neutrons, mostraram que a sua detecção requereria uma sensibilidade instrumental semelhante à fornecida por estes interferômetros, substancialmente maior que a da Barra de Weber.
Nestas circunstâncias é que nasce o projeto Ligo (Laser Interferometer Gravitational-Wave Observatory, ou Observatório de Ondas Gravitacionais por Interferômetro Laser), fundado em 1992 por Kip Thorne e Ronald Drever, da Caltech, e Rainer Weiss, do MIT, e financiado pela National Science Foundation, dos EUA, com um orçamento que em 2002 arranhava os US$ 365 milhões. O LIGO opera dois interferômetros semelhantes, situados em Livingston, na Louisiana, e em Hanford, em Washington, a uns 3 mil quilômetros de distância um do outro. Cientistas de mais de 40 instituições de todo o mundo trabalham continuamente analisando os dados do Ligo.
Devemos mencionar também que, no Brasil, os pesquisadores Odylio Aguiar, do INPE, conjuntamente com Sérgio T. de Souza e Nei Oliveira Jr, da USP, construíram o detector Mario Schemberg, que começou a funcionar em 8 de setembro de 2006, no Instituto de Física da USP.
Em cada um dos sítios, o observatório Ligo tem dois túneis em forma de L, com braços de 4 quilômetros de comprimento, distância monitorada permanentemente pela interferência dos lasers. Qualquer variação relativa do comprimento dos braços afeta o padrão de interferência mencionado, com uma precisão mais acurada que o tamanho de um átomo.
Como as ondas gravitacionais viajam à velocidade da luz, o retardo entre a detecção de uma fonte de OG pelo Ligo de Livingston e pelo Hanford, pode atingir até 10 milissegundos e permite triangular aproximadamente a posição dessa fonte no céu.
No evento do dia 14 de setembro de 2015, comunicado no último dia 11, o retardo entre as duas detecções foi de 7 milissegundos. Os modelos permitiram estimar a massa inicial dos dois buracos negros, o tempo de fusão foi da ordem de 0.01 seg., e a massa aniquilada, da ordem de três massas solares. Se compararmos com a energia produzida pelo Sol, que aniquila 1/10 da sua massa em 10 bilhões de anos, a energia liberada neste evento em forma de ondas gravitacionais foi equivalente à de um bilhão de trilhões de sóis.
France Cordova e David Reitze, respectivamente diretores da National Science Foundation e do consórcio Ligo, juntamente com Rainer Weiss, um dos pais do projeto, tinham justificadas razões para a emoção demonstrada quando anunciaram a primeira detecção de ondas gravitacionais, na conferência de imprensa ocorrida na sede do Ligo no dia 11, em nome dos mais de 1,1 mil pesquisadores que participam da publicação do resultado. O histórico registro está no volume 116 da revista Physical Review Letters.
Finalmente, após cem anos, foi demonstrada a existência das ondas gravitacionais, mais um quebra-cabeça que deixou para a posteridade Einstein, o simpático velhinho do início desta história. As ondas gravitacionais começam a mudar a forma como sentimos o Universo. Novas questões virão à tona: qual é o espectro de energias destas ondas? São elas os Grávitons do modelo padrão e a ponte que falta na compreensão da unificação das forças do Universo? Poderemos ver os vestígios da explosão primordial? A incessante procura pelo entendimento da Natureza adquire derivações excitantes.
Se o caro leitor é dado a apostas, pode arriscar que o próximo premio Nobel não vai pipocar longe do Ligo. O difícil vai ser encontrar quem banque opinião contrária.
Leia todos os artigos do Caderno PrOA