Não é mera coincidência o cerco contra o grupo suspeito de planejar um golpe de Estado após as eleições de 2022 ocorrer uma semana após o atentado ao Supremo Tribunal Federal (STF). Tão logo o chaveiro Francisco Wanderley Luiz detonou a sequência de bombas que causou sua própria morte na Praça dos Três Poderes, dia 13, entrou em curso a investida que culminou nesta quinta-feira (21) no indiciamento do ex-presidente Jair Bolsonaro e mais 36 pessoas.
Há um entendimento na cúpula da Polícia Federal (PF) e em setores do STF de que é preciso acelerar a conclusão dos inquéritos e trazer à tona o resultado das investigações para frear o avanço no Congresso de uma proposta de anistia aos envolvidos na trama golpista.
O perdão aos suspeitos, com reversão da inelegibilidade de Bolsonaro, ganhou tração após a vitória de Donald Trump nos Estados Unidos. A aprovação de um projeto de lei passou a ser ventilada como condição para parlamentares ligados a Bolsonaro apoiar as candidaturas de Hugo Motta (Republicanos-PB) e Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) à presidência da Câmara e do Senado, respectivamente.
No STF, a naturalização com que o assunto ganhava escopo no Congresso e sobretudo na opinião pública, granjeando espaço na imprensa, causava incômodo explícito no ministro Alexandre de Moraes. Até mesmo no PT houve quem flertasse com a ideia, por entender que Bolsonaro seria o adversário de direita mais fácil de ser batido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva na eleição de 2026.
No último dia 13, Moraes, Lula e o diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues, estavam reunidos no Palácio da Alvorada quando houve o ataque à sede do STF. Naquela tarde, Lula deixou o Palácio do Planalto mais cedo, por volta das 17h30min, e o encontro com Rodrigues e Moraes não constava da agenda de nenhum deles. Após as explosões na Praça dos Três Poderes, se uniram ao trio os ministros do STF Gilmar Mendes e Cristiano Zanin.
Assim que vazou a informação da reunião, o Planalto disse se tratar de agenda costumeira do presidente, para “avaliação de cenário”.
No dia seguinte, 14 de novembro, a PF encaminhou ao STF relatório de 221 páginas no qual detalha suposta intentona golpista com planos para assassinar Lula, Moraes e o vice-presidente Geraldo Alckmin. Ao final do texto, quatro delegados pedem a prisão de quatro oficiais do Exército e um policial federal.
Um dia depois, em pleno feriado, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, chancela a iniciativa policial. O despacho de Moraes acatando os pedidos e expedindo cinco mandados de prisão e outros seis de busca e apreensão foi emitido no domingo, 17 de novembro.
Batizada de Operação Contragolpe, a ação da PF foi às ruas no alvorecer da última terça-feira (19), dois dias após a decisão judicial e em meio ao encontro de cúpula do G20, no Rio. Interlocutores de Moraes afirmam que ele aproveitou os holofotes da imprensa mundial e a presença no país de chefes de Estado das principais potências econômicas do planeta para demonstrar o vigor das instituições brasileiras e ampliar a repercussão dos planos golpistas.
Na sequência, o indiciamento nesta quinta-feira de Bolsonaro e outras 36 pessoas por associação criminosa, golpe de Estado e abolição violenta do estado democrático de direito, acompanhado de novo depoimento do tenente-coronel Mauro Cid, compõem o cenário da maior investida contra o ex-presidente desde o fim de seu mandato, em dezembro de 2022.
Suspeitando que Mauro Cid estivesse omitindo informações sobre o papel de Bolsonaro na trama do golpe, Moraes fez questão de conduzir pessoalmente o interrogatório, expediente que costuma delegar para o juiz federal que o assessora nos processos.
É voz corrente no STF que Moraes estava irritado com a lentidão das investigações. Ao tempo em que o ministro cobrava celeridade da PF, Paulo Gonet advertia os delegados de que a apuração precisa ser robusta e irrefutável, sem abrir brechas a eventuais anulações processuais.
Para Moraes, a demora fazia crescer na Corte um espírito apaziguador, de inibição do confronto e que defendia uma tramitação lenta dos processos contra Bolsonaro, para que ninguém fosse preso “antes da hora”.
Moraes também sofre críticas de colegas sobre decisões consideradas rígidas demais. Ao atacar o STF e espalhar bombas pelo próprio corpo, no carro, em um trailer e na casa onde estava morando, Francisco Wanderley Luiz precipitou a resposta da PF e do STF, fazendo recrudescer o sentimento de autodefesa da Corte. O entedimento agora é de que jamais houve um ambiente tão favorável à investida do ministro.
Inicialmente, Moraes pretendia desdobrar as investigações contra Bolsonaro em vários inquéritos como forma de obter condenações sucessivas. Nas últimas semanas, porém, ganhou força no gabinete de Gonet a apresentação de uma única acusação criminal contra o ex-presidente, unindo no mesmo processo os indícios de participar de tentativa de golpe de Estado, atentar contra instituições, vender joias da Presidência, falsificar comprovante de vacina e espionar adversários.
Na opinião de Gonet, tal construção jurídica teria maior amparo entre os ministros ao demonstrar com vigor a suposta ação criminosa e golpista de um grupo formado à época por militares de alta patente, ministros de Estado e o próprio presidente da República, entre novembro e dezembro de 2022.
Cronologia da investida
- 13 de novembro de 2024
O chaveiro Francisco Wanderley Luiz joga bombas contra o STF e acaba explodindo a si mesmo na Praça dos Três Poderes
Na mesma tarde, o presidente Lula se reunia fora da agenda com o ministro Alexandre de Moraes e o diretor da PF, Andrei Rodrigues
Logo após o atentado, se uniram ao trio os ministros do STF Gilmar Mendes e Cristiano Zanin.
- 14 de novembro de 2024
A Polícia Federal remete ao STF relatório de 221 páginas detalhando suposta trama golpista com planos para assassinar Lula, Moraes e o vice-presidente Geraldo Alckmin. Junto, pede mandados de prisão e busca e apreensão
- 15 de novembro de 2024
Em pleno feriado, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, chancela a iniciativa policial e pede a prisão de quatro oficiais do Exército e de um policial federal.
- 17 de novembro de 2024
Num domingo, o relator do inquérito no STF, ministro Alexandre de Moraes acata os pedidos e decreta a prisão do grupo.
- 19 de novembro de 2024
Apenas dois dias após a decisão judicial, a PF coloca na rua a Operação Contragolpe, para prender as cinco pessoas e cumprir seis mandatos de busca e apreensão. A operação ocorre no último dia de atividades do G20 no Rio, diante da imprensa mundial e da presença no país dos chefes de Estado das maiores economias do planeta.