O perito Eduardo Tagliaferro, que chefiou a Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), negou em depoimento à Polícia Federal (PF) em São Paulo que tenha sido o responsável pelo vazamento de mensagens que revelam o uso "fora do rito" do órgão da Corte Eleitoral pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes.
A oitiva, realizada nesta quinta-feira (22), ocorreu no âmbito do inquérito aberto pela PF por ordem do próprio Moraes para apurar a origem do vazamento das mensagens. Além de Tagliaferro, a ex-mulher e o ex-cunhado também prestaram depoimento.
— Não foi ele que vazou as mensagens. É óbvio que não foi e ele negou. Mas ele respondeu todas as perguntas — disse o advogado Eduardo Kuntz, que representa o perito.
O celular de Tagliaferro foi apreendido após o depoimento.
De acordo com a reportagem da Folha de S.Paulo, o gabinete de Moraes teria dado ordens de forma não oficial para a produção de relatórios pelo TSE. O movimento foi feito por mensagens para embasar decisões do próprio ministro nos inquéritos das fake news e das milícias digitais, que tramitam no STF. Na época, Moraes presidia a Corte Eleitoral. As reportagens indicam que essas movimentações ocorreram "fora do rito", em algumas ocasiões, via WhatsApp.
Há suspeitas de que as conversas tenham sido extraídas do celular do perito. Tagliaferro nega veementemente ter vazado as mensagens.
Quem é Eduardo Tagliaferro
Tagliaffero foi nomeado por Alexandre de Moraes em agosto de 2022 para exercer o cargo de assessor-chefe da Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação, órgão que era submetido à presidência do TSE. O perito tem um longo histórico de trabalhos na iniciativa privada, mas foi só em 2017 que começou a prestar serviços de perícia computacional, grafotécnica e documentoscopia para o Poder Judiciário.
Ele é formado em engenharia civil e direito pela Universidade Paulista e é mestre em Inteligência Artificial pela Universidade Federal de Viçosa (UFV).
Tagliaferro já trabalhou na área de tecnologia do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) e das Cortes de Justiça dos Estados de Goiás, Santa Catarina, Minas Gerais, Paraná e São Paulo. Ao chegar ao TSE pelas mãos de Moraes em 2022, Tagliaferro também foi designado para integrar o núcleo de inteligência da Corte, órgão que era composto por membros da Justiça Eleitoral e por representantes do Conselho Nacional dos Comandantes Gerais.
O núcleo de inteligência foi criado por Moraes com o objetivo de alinhar procedimentos com as polícias militares dos Estados e discutir questões relacionadas à segurança preventiva durante as eleições. A presença de Tagliaferro no órgão demonstra o seu prestígio com o ministro. Além dele, Moraes designou o seu secretário-executivo no TSE, o juiz Marco Antonio Martin Vargas, que exercia a função de braço-direito no processo decisório durante as eleições.
Tagliaferro foi exonerado do TSE em maio de 2023, após ser preso em flagrante em Caieiras, na Grande São Paulo, por violência doméstica. Na ocasião, o celular dele foi apreendido pela Polícia Civil de São Paulo. Consta no boletim de ocorrência que o aparelho foi lacrado, ou seja, teria ficado indevassável. O celular passou seis dias na delegacia.
Entenda o caso
Segundo reportagens publicadas pela Folha de S.Paulo, a equipe de Moraes teria pedido, em mais de uma ocasião, a produção de relatórios para embasar medidas contra investigados nos inquéritos das fake news e das milícias digitais, indicando um fluxo fora do rito, com um órgão do TSE sendo utilizado para nutrir o STF.
O jornal teve acesso a diálogos que mostram que o setor de combate à desinformação do TSE teria sido utilizado como um braço investigativo do gabinete de Moraes. Na época das trocas de mensagens, ele presidia a Corte Eleitoral.
Em nota, o gabinete de Moraes afirmou que, no curso dos inquéritos, fez solicitações a inúmeros órgãos, incluindo o TSE. Segundo o magistrado, todas as ações foram feitas seguindo os termos regimentais.
Moraes teria pedido documentos sobre pessoas que postaram ataques ao sistema eletrônico de votação, aos ministros do STF e que incitaram os membros das Forças Armadas contra o resultado das eleições de 2022.
O jornal diz ter obtido o material com fontes que tiveram acesso a um aparelho telefônico que contém as mensagens. São mais de seis gigabytes de mensagens via WhatsApp trocados por funcionários do gabinete de Moraes entre agosto de 2022 e maio de 2023.