O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, teria utilizado relatórios produzidos pela Justiça Eleitoral fora do rito regular para embasar decisões no âmbito do chamado inquérito das fake news, que tem como alvo aliados e apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro. A informação consta em reportagem publicada pelo jornal Folha de S. Paulo nesta terça-feira (13).
Conforme a reportagem, o setor de combate à desinformação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), na época presidido por Moraes, foi usado como "braço investigativo" do gabinete do ministro no Supremo, de forma não oficial.
Em nota, Moraes garantiu que atuou regularmente. "Todos os procedimentos foram oficiais, regulares e estão devidamente documentados nos inquéritos e investigações em curso no STF, com integral participação da Procuradoria-Geral da República", diz a manifestação (leia a íntegra abaixo).
As informações divulgadas têm por base mensagens trocadas por auxiliares de Moraes, às quais o jornal teve acesso. Nas conversas, assessores do ministro relatam suposta irritação dele com a demora no atendimento às ordens.
O maior número de pedidos informais envolveriam o juiz instrutor Airton Vieira, assessor de Moraes no STF, e Eduardo Tagliaferro, perito criminal que chefiava a Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação do TSE. Tagliaferro deixou o cargo em maio de 2023, após ser preso sob suspeita de violência doméstica.
Procurado pela Folha, Vieira não respondeu. Tagliaferro disse que não se manifestaria, mas apontou que não se recorda de "ter cometido qualquer ilegalidade”.
Conforme o jornal, as mensagens obtidas demonstram que Vieira pedia ao funcionário do TSE relatórios contra bolsonaristas. Posteriormente, esses documentos eram incluídos no inquérito das fake news, sem indicação de que o pedido havia partido de Moraes ou de seu gabinete.
De acordo com a reportagem, os diálogos foram obtidos "com fontes que tiveram acesso a dados de um telefone que contém as mensagens, não decorrendo de interceptação ilegal ou acesso hacker".
Conteúdo das mensagens
Segundo a publicação, o gabinete de Moraes no Supremo acionou a estrutura do TSE extraoficialmente em ao menos 20 episódios.
Depois, parte desses relatórios acabou utilizada para embasar decisões contra bolsonaristas, como cancelamento de passaportes, bloqueio de redes sociais e intimações para depoimento à Polícia Federal.
Entre os alvos do monitoramento, estariam o jornalista Rodrigo Constantino e o apresentador Paulo Figueiredo, ex-Jovem Pan.
Em um dos casos, após o funcionário do TSE encaminhar um relatório sobre Constantino, o assessor de Moraes no STF teria enviado prints de postagens do jornalista para que fossem incluídos no documento. Nas mensagens obtidas pela Folha, Airton Vieira indica que o pedido de produção do relatório partiu do próprio Moraes.
Dias depois, Moraes ordenou a quebra de sigilo bancário de Constantino e Figueiredo, o cancelamento dos respectivos passaportes, bloqueio de suas redes sociais e intimações para que fossem ouvidos pela PF.
Conforme a reportagem, nas conversas, os próprios assessores de Moraes manifestam receio sobre o uso do expediente.
Inquérito
O inquérito das fake news foi aberto em março de 2019, por ordem do ministro Dias Toffoli, que indicou Alexandre Moraes como relator. O objetivo seria apurar a divulgação de notícias fraudulentas contra a Corte e os ministros.
Desde então, tem sido alvo de críticas de juristas. Por diversas vezes, a Procuradoria-Geral da República (PGR) pediu o arquivamento, mas o expediente segue aberto.
Leia a nota divulgada pelo gabinete de Moraes
"O gabinete do ministro Alexandre de Moraes esclarece que, no curso das investigações do Inquérito (INQ) 4781 (Fake News) e do INQ 4878 (milícias digitais), nos termos regimentais, diversas determinações, requisições e solicitações foram feitas a inúmeros órgãos, inclusive ao Tribunal Superior Eleitoral, que, no exercício do poder de polícia, tem competência para a realização de relatórios sobre atividades ilícitas, como desinformação, discursos de ódio eleitoral, tentativa de golpe de Estado e atentado à Democracia e às Instituições.
Os relatórios simplesmente descreviam as postagens ilícitas realizadas nas redes sociais, de maneira objetiva, em virtude de estarem diretamente ligadas às investigações de milícias digitais. Vários desses relatórios foram juntados nessas investigações e em outras conexas e enviadas à Polícia Federal para a continuidade das diligências necessárias, sempre com ciência à Procuradoria Geral da República.
Todos os procedimentos foram oficiais, regulares e estão devidamente documentados nos inquéritos e investigações em curso no STF, com integral participação da Procuradoria Geral da República."