A Polícia Federal (PF) concluiu em investigação que o ex-presidente Jair Bolsonaro teve participação no desvio ou na tentativa de desvio de bens que somam US$ 1.227.725,12, o equivalente a R$ 6,8 milhões. Tratam-se de esculturas, joias e relógios, recebidos de países estrangeiros em razão de sua condição de mandatário do Brasil.
A cifra foi calculada pela Polícia Federal em relatório enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF), tendo como referência a cotação de venda do dólar no início deste mês.
Na última quinta-feira (4), a PF indiciou o ex-presidente Jair Bolsonaro no caso das joias. Além dele, seu ex-ajudante de ordens Mauro Cid e outras 10 pessoas foram responsabilizadas. Bolsonaro foi indiciado por peculato, associação criminosa e lavagem de dinheiro. O ex-presidente sempre negou irregularidades.
Segundo a PF, essas joias milionárias, oferecidas ao governo brasileiro como presente pelo governo da Arábia Saudita durante a gestão Bolsonaro, deveriam ter sido incorporadas ao patrimônio do Estado. No entanto, foram parar no patrimônio pessoal do ex-presidente.
“Identificou-se ainda que os valores obtidos dessas vendas eram convertidos em dinheiro em espécie e ingressavam no patrimônio pessoal do ex-presidente da República, por meio de pessoas interpostas e sem utilizar o sistema bancário formal, com o objetivo de ocultar a origem localização e propriedade dos valores”, aponta o relatório da PF.
O sigilo do relatório da PF, que tem 476 páginas, foi derrubado nesta segunda-feira (8) pelo ministro Alexandre de Moraes, relator do caso no Supremo Tribunal Federal (STF). O magistrado encaminhou o processo para análise da Procuradoria-Geral da República (PGR), a quem cabe agora analisar se arquiva o caso ou denuncia os indiciados. É possível também que o órgão solicite nova coleta de provas.
Dinheiro
Assinado pelo delegado responsável Fábio Shor, o relatório conclui que “os elementos acostados nos autos evidenciaram a atuação de uma associação criminosa voltada para a prática de desvio de presentes de alto valor recebidos em razão do cargo pelo ex-presidente da República Jair Bolsonaro e/ou por comitivas do governo brasileiro, que estavam atuando em seu nome, em viagens internacionais, entregues por autoridades estrangeiras, para posteriormente serem vendidos no Exterior”.
Parte desse dinheiro pode ter sido utilizado para custear a estadia de Bolsonaro nos Estados Unidos, para onde foi um dia antes de deixar a Presidência da República e onde permaneceu por mais de três meses.
Em março de 2023, quando a venda de presentes oficiais foi primeiro noticiada por veículos de imprensa, foi organizada uma nova operação, dessa vez com o objetivo de recuperar itens já vendidos no mercado. O objetivo seria “escamotear a localização e movimentação dos bens desviados do acervo público brasileiro e tornar seguro, mediante ocultação da localização e propriedade, os proventos obtidos com a venda de parte dos bens desviados”, concluiu a PF.
“Tal fato indica a possibilidade de que os proventos obtidos por meio da venda ilícita das joias desviadas do acervo público brasileiro, que, após os atos de lavagem especificados, retornaram, em espécie, para o patrimônio do ex-presidente, possam ter sido utilizados para custear as despesas em dólar de Jair Bolsonaro e sua família, enquanto permaneceram em solo norte-americano”, aponta o relatório da PF.
As investigações contaram com a colaboração do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, que fechou acordo de colaboração premiada. As investigações apontam, por exemplo, o envolvimento do pai de Mauro Cid, general do Exército Mauro Lorena Cid, que teria intermediado o repasse de US$ 68 mil em espécie ao ex-presidente.
O general Cid recebeu o dinheiro em sua própria conta bancária, depois da venda de um relógio Patek Phillip e de um Rolex. O militar trabalhava no escritório da Apex, em Miami.
Nos autos, foram anexados também outros tipos de prova, como comprovantes de saques bancários no Brasil e nos EUA e planilhas mantidas pelo assessor Marcelo Câmara, que era responsável por fazer a contabilidade pessoal de Bolsonaro.
Contraponto
Pelas redes sociais, Bolsonaro falou sobre a correção feita pela PF no valor que teria sido desviado. No relatório enviado ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), relator do caso, a PF disse inicialmente que o valor estimado dos desvios seria de R$ 25 milhões. Em seguida, o delegado responsável pelo caso retificou a informação e disse que o montante pode chegar a R$ 6,8 milhões.
"Aguardemos muitas outras correções. A última será aquela dizendo que todas as joias desviadas estão na CEF, acervo ou PF, inclusive as armas de fogo. Aguarda-se a PF se posicionar no caso Adélio: ‘quem foi o mandante?’ Uma dica: o delegado encarregado do inquérito é o atual diretor de inteligência", escreveu em sua conta no X (antigo Twitter).
Os advogados de Jair Bolsonaro se manifestaram por meio de nota, divulgada na noite desta segunda-feira por alguns veículos jornalísticos, como a CNN Brasil. No posicionamento, a defesa do ex-presidente afirma que a entrega de presentes à Presidência da República obedece protocolos rígidos e que o "insólito" inquérito da Polícia Federal "volta-se" a Bolsonaro, ignorando supostas ocorrências iguais em gestões anteriores. A nota ainda alega que o ex-presidente, desde que soube da investigação sobre a destinação dos presentes, colaborou com o trabalho. Os advogados de Bolsonaro ainda dizem que há "evidente incompetência" do Supremo Tribunal Federal sobre a investigação, que eles entendem que deveria estar correndo na primeira instância.