O documento que embasou a operação da Polícia Federal que deu início à investigação que indiciou Jair Bolsonaro e outras 11 pessoas tem 105 páginas e é rico em detalhes. No material, a PF reúne imagens de itens que aliados do ex-presidente teriam tentado negociar.
Na época da operação, deflagrada em 11 de agosto do ano passado, a PF informou que presentes recebidos pelo governo do ex-presidente Jair Bolsonaro saíram do país em uma mala transportada no avião presidencial. O transporte, segundo a PF, ocorreu no dia 30 de dezembro ano passado, quando Bolsonaro viajou para os Estados Unidos, nos últimos dias de mandato.
Na ofensiva, a PF realizou buscas e apreensões contra o pai de Mauro Cid, general de Exército, Mauro Lourena Cid, e o ex-advogado de Bolsonaro Frederick Wassef.
Conforme regras do Tribunal de Contas da União (TCU), os presentes de governo estrangeiros devem ser incorporados ao Gabinete Adjunto de Documentação Histórica, setor da Presidência da República responsável pela guarda dos itens, que não poderiam ficar no acervo pessoal do chefe do governo.
Confira quais os itens envolvidos no esquema
Escultura de barco e de palmeira dourados
De acordo com as investigações da Polícia Federal, entre os itens que foram retirados do país no dia 30 de dezembro, estão esculturas de um barco e de uma palmeira folheadas a ouro.
Segundo apuração, os itens foram entregues ao ex-presidente em 16 de novembro de 2021, quando ele participou do Seminário Empresarial da Câmara de Comércio Árabe-Brasileira, na cidade de Manama, no Barhein.
Conforme a investigação, o ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid, tentou vender os itens em lojas especializadas na Flórida, Estados Unidos, mas não conseguiu porque não eram 100% de ouro.
As estátuas, no formato de barco e de palmeira, têm valor histórico-cultural. Uma escultura idêntica, no formato da árvore, está exposta no site da Organização das Nações Unidas (ONU) A palmeira é o símbolo do Bahrein.
"Apesar de, aparentemente, os bens não possuírem valor esperado, pesquisas em fontes abertas evidenciaram objetos semelhantes a árvore e ao barco que mostram o valor histórico-cultural que tais esculturas teriam para o Estado brasileiro considerando o contexto diplomático e o respeito aos países que presentearam o Brasil", diz um trecho do relatório da PF.
Conjunto de joias
Outro presente desviado foi um conjunto masculino de joias da marca suíça de acessórios de luxo Chopard, composto por caneta, abotoadura, anel, rosário árabe e relógio. Os itens teriam sido entregues ao então ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, após viagem a Arábia Saudita, em outubro de 2021.
A PF narra que o conjunto da marca Chopard teria sido resgatado da Fortuna Auctions, em Nova York, e encaminhado, por meio de serviço de transporte, para um endereço de Orlando onde Bolsonaro estava hospedado. Depois, o kit foi transportado para o Brasil e entregue, em 24 de março, em uma agência da Caixa em Brasília.
Kit de joias e relógio Rolex
Um kit de joias contendo um anel, abotoaduras, um rosário islâmico e um relógio da marca Rolex de ouro branco, entregues ao ex-presidente Jair Bolsonaro quando visitou a Arábia Saudita em outubro de 2019, também teria sido vendido por assessores do ex-presidente.
O anel, as abotoaduras e o rosário islâmico foram recuperados em Miami, por Mauro Cid, segundo a PF. Ele pegou o kit no dia 27 de março de 2023 e, no mesmo dia, voltou ao Brasil.
Já o relógio de ouro branco, que compunha o mesmo kit, foi resgatado da empresa Precision Watches, localizada na Pensilvânia. De acordo com a PF, Frederick Wassef, ex-advogado de Bolsonaro, recuperou o relógio e o trouxe ao Brasil após viagem dos Estados Unidos.
“O relógio Rolex Day-Date vendido para a empresa Precision Watches, foi recuperado no dia 14/03/2023 pelo advogado Frederick Wassef, que retornou com o referido bem ao Brasil na data de 29/3/2023. O mencionado advogado entregou o bem a Mauro Cid, em 2/4/2023, na cidade de São Paulo, que, a seu turno, retornou o bem à Brasília na mesma data, entregando o bem para Osmar Crivelatti”, disse a PF.
Relógios da marca Patek Philippe
Um relógio da marca Patek Philippe, possivelmente recebido por Bolsonaro quando visitou o Reino do Bahrein em 16 de novembro de 2021, também teria sido retirado do país por aliados do ex-presidente.
O relógio teria sido levado para os Estados Unidos e vendido também para a Precision Watches, em junho de 2022.
Segundo os investigadores, "há fortes indícios de que o relógio Patek Phillippe (...) teria sido presenteado ao ex-presidente Jair Bolsonaro, em novembro de 2021, por autoridades do Reino do Bahrein e posteriormente vendido".
Essa peça não chegou a ser registrada oficialmente no acervo do governo federal.
Contrapontos
Quando o inquérito da PF foi concluído e Bolsonaro indiciado, Paulo Cunha Bueno, advogado do ex-presidente, disse que não iria se manifestar neste momento por não ter tido acesso ao ofício enviado pela PF. Ele sempre negou irregularidades.
A reportagem tenta contato com as defesas dos indiciados.