Em relatório divulgado nesta quinta-feira (11), a Human Rights Watch — organização internacional não governamental que defende e realiza pesquisas sobre os direitos humanos, afirma que governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez importantes avanços na proteção da Amazônia, dos direitos das mulheres e de outros direitos durante 2023, mas não enfrentou adequadamente o problema crônico da violência policial e não defendeu de forma consistente os direitos humanos em sua política externa.
No Relatório Mundial, que em 2024 tem 734 páginas (na versão em inglês), a Human Rights Watch analisa as práticas de direitos humanos em mais de cem países. No capítulo introdutório, a diretora executiva, Tirana Hassan, afirma que 2023 foi um ano marcante não apenas pela supressão dos direitos humanos e atrocidades cometidas em tempos de guerra, mas também pela indignação seletiva de governos e pela diplomacia transacional que acarretou custos elevados para os direitos daqueles sem um assento nas mesas de negociação.
No entanto, ela também destaca sinais de esperança, mostrando a possibilidade de um caminho diferente, e insta governos a cumprirem de forma coerente as suas obrigações de direitos humanos.
Políticas ambientais
Conforme o relatório, o presidente Lula reverteu algumas das políticas ambientais — classificadas como "desastrosas" pelo órgão — de seu antecessor, Jair Bolsonaro. Durante a gestão anterior, o desmatamento na Amazônia aumentou 53%. Em 2023, primeiro ano de Lula, o desmatamento na Amazônia caiu 50% em comparação com o ano anterior, segundo alertas de desmatamento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) atualizados até 29 de dezembro.
— O presidente Lula encerrou seu primeiro ano de governo apresentando inconsistências em matéria de direitos humanos. Lula reverteu algumas políticas antidireitos de seu antecessor, mas desafios significativos permanecem, inclusive o uso excessivo da força pela polícia, que afeta desproporcionalmente a população negra, e uma política externa que não promove os direitos humanos de maneira consistente — disse César Muñoz, diretor da Human Rights Watch no Brasil.
O relatório afirma ainda que o governo Lula melhorou as metas do Brasil para reduzir as emissões de gases de efeito estufa e submeteu para a aprovação do Congresso Nacional o Acordo de Escazú, um tratado regional que exige que os governos da América Latina e do Caribe protejam os defensores ambientais e garantam acesso à informação e participação pública em assuntos ambientais.
Entretanto, o governo não conteve a destruição do Cerrado, onde o desmatamento cresceu 43% em 2023, segundo alertas de desmatamento do INPE, e também planos de aumentar significativamente a produção de petróleo e gás na próxima década. Em dezembro, o governo Lula anunciou na conferência anual das Nações Unidas sobre o clima, COP28, que o Brasil pretende juntar-se ao grupo OPEP+ de países produtores de petróleo como observador.
Terras indígenas
De acordo com o artigo, o presidente Lula rompeu com a postura anti-indígena de Bolsonaro, retomando a demarcação de terras indígenas e nomeando as primeiras lideranças de povos originários para dirigir o recém-criado Ministério dos Povos Indígenas e a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). Em uma decisão histórica, o Supremo Tribunal Federal também rejeitou o marco temporal, que busca restringir o direito dos povos indígenas a seus territórios. Contudo, o Congresso reagiu aprovando um projeto de lei que vai na contramão desta decisão e, mais tarde, derrubando os vetos presidenciais ao texto.
Redução das desigualdades
O governo Lula apresentou ao Congresso e posteriormente sancionou um projeto de lei para garantir igualdade salarial para mulheres e revogou uma portaria que exigia que profissionais de saúde comunicassem à polícia casos de sobreviventes de estupro que buscassem interromper a gravidez. O governo Lula também retomou uma iniciativa para promover a educação em saúde sexual e reprodutiva nas escolas.
Segundo o relatório, embora tenha criado um novo Ministério da Igualdade Racial, o governo Lula não tomou medidas contundentes para enfrentar a violência policial, que afeta desproporcionalmente as pessoas negras. A polícia matou no Brasil mais de 6 mil pessoas todos os anos desde 2018. Mais de 80% das pessoas mortas pela polícia em 2022 eram negras. De janeiro a junho de 2023, a letalidade policial aumentou em 16 estados, em comparação com o mesmo período de 2022, conforme dados compilados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Ao longo da última década, a Human Rights Watch documentou graves falhas nas investigações conduzidas pelas polícias civis, inclusive recentemente em um relatório sobre a morte de 28 pessoas durante a Operação Escudo no estado de São Paulo.
O artigo afirma que, embora os governadores sejam os responsáveis diretos pelas polícias no âmbito estadual, o governo federal tem autoridade para coordenar os esforços de estados e municípios, desenvolver políticas públicas nacionais e garantir que o financiamento federal da segurança pública esteja condicionado à redução de mortes causadas por ação policial.
Política externa
O relatório destaca que a política externa do governo Lula tem sido inconsistente em relação aos direitos humanos. Seu governo defendeu proteções mais robustas em relação ao direito à educação e pressionou por ajuda humanitária a civis em Gaza em meio às hostilidades em Israel e Palestina.
No entanto, o presidente Lula chamou o enfraquecimento das instituições democráticas na Venezuela de uma “narrativa construída”, apesar da longa lista de ações autoritárias e abusos de direitos humanos por parte do governo de Nicolas Maduro.
— O presidente Lula prometeu que colocaria o Brasil de volta ao cenário internacional. Ele deveria usar o novo perfil global do Brasil, incluindo a participação no Conselho de Direitos Humanos da ONU, nos BRICS e na presidência do G20 em 2024, para promover os direitos humanos e condenar abusos, independentemente dos interesses geopolíticos ou da ideologia do governo responsável por violações — completou Muñoz.
O capítulo completo, em inglês, sobre o Brasil do Relatório Mundial 2024 da Human Rights Watch pode ser acessado por este link.