Ao menos 16 pessoas foram mortas em ações da Polícia Militar (PM) de São Paulo na Baixada Santista desde a última sexta-feira (28), um dia depois do assassinato do policial militar da equipe de Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota) Patrick Bastos Reis, 30 anos, no Guarujá, no litoral paulista. Gaúcho de Santa Maria, o PM foi baleado no peito e morto quando fazia patrulhamento na localidade, desencandeando a chamada Operação Escudo, que conta com 600 agentes de equipes especializadas das polícias Civil e Militar do litoral de São Paulo.
Segundo dados da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo divulgados nesta quinta-feira (3), 84 pessoas foram presas em seis dias de operação — entre elas, o suspeito de cometer o crime, detido no domingo (30) — de 28 de julho a 2 de agosto. Do total, 54 foram presos em flagrante e 30 foragidos da Justiça foram capturados. Além disso, quatro adolescentes foram apreendidos.
Também nesta quinta, a Defensoria Pública do Estado de São Paulo pediu à Secretaria da Segurança Pública (SSP) e ao Ministério Público o fim da operação, em razão do alto índice de mortes praticadas por policiais. Até o momento, nenhuma decisão nesse sentido foi tomada.
O governo de São Paulo afirma que não houve excessos nas operações e que a atuação policial foi uma resposta a ataques recebidos. Por outro lado, moradores das comunidades relatam agressões, ameaças e até tortura por parte dos policiais durante as ações. Ouvidoria das polícias e Ministério Público apuram os casos.
Mesmo após a prisão dos envolvidos no assassinato do policial Reis, a Operação Escudo continua em toda a região.
Veja o que se sabe sobre o caso:
O que motivou a operação policial?
No dia 27 de julho, o policial militar Patrick Bastos Reis morreu após ser atingido por disparos no tórax durante um patrulhamento na proximidade da comunidade Vila Zilda. Nessa mesma ação, outro policial militar também foi baleado e ficou ferido, ambos alvos de suspeitos armados. A morte do PM Reis motivou a realização de uma operação, chamada de Escudo, com o objetivo de localizar e capturar os suspeitos envolvidos.
Quem era o policial morto em patrulhamento?
Gaúcho de Santa Maria, Patrick Bastos Reis tinha 30 anos, era filho único e passou a infância com a família em uma casa no bairro Cohab Fernando Ferrari. Aos 17 anos, se inscreveu para ingressar no Exército. Foi selecionado para o Núcleo de Preparação de Oficiais da Reserva (NPOR) e mudou-se para Quaraí, onde morou por cerca de um ano.
Após a formação como aspirante a oficial da Forças Armadas, Reis passou no vestibular para cursar Educação Física na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Paralelamente aos estudos, trabalhava como instrutor em academia de ginástica e como personal trainer. Aos 20 anos, passou no concurso público para ingresso na Polícia Militar do Estado de São Paulo.
O ápice da carreira chegou em 2017, quando em processo interno Reis ingressou no 1º Batalhão de Choque, notoriamente reconhecido como Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar, a Rota.
Reis foi morto em ação, enfrentando criminosos, no dia 27 de julho, na comunidade de Vila Zilda, no Guarujá, São Paulo. Um colega de unidade foi ferido, mas sobreviveu.
Qual o balanço da operação até agora?
A Operação Escudo teve início em 28 de julho, um dia após os policiais militares terem sido baleados, visando a captura dos criminosos responsáveis pelo ataque contra os agentes de segurança. O policiamento foi reforçado com cerca de 600 policiais em duas comunidades de Guarujá, Vila Julia e Vila Zilda. Equipes especializadas das polícias Militar e Civil foram deslocadas para essas localidades como parte da operação.
De acordo com balanço divulgado nesta quinta-feira (3) pela Secretaria da Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP), chegou a 16 o número de mortos na operação, e os policiais conseguiram identificar e prender todos os criminosos que participaram da morte de Reis. O último envolvido foi preso na madrugada de quarta-feira (2). Trata-se do irmão do homem apontado como o autor do disparo que matou o PM e que já tinha sido preso no domingo (leia abaixo).
Em seis dias de operação, entre 28 de julho e 2 de agosto, foram presas 84 pessoas. Do total, 54 foram presos em flagrante e 30 foragidos da Justiça, capturados. Além disso, quatro adolescentes foram apreendidos.
No período, a polícia vistoriou 2.155 automóveis, dos quais 152 foram removidos, e 1.143 motocicletas, das quais 117 foram recolhidas. Dez veículos com queixa de furto ou roubo foram localizados. Até quarta-feira (2), haviam sido apreendidas 21 armas, entre pistolas e fuzis.
Quem eram os mortos na operação e quais crimes eles cometeram?
As identidades das vítimas não foram divulgadas pela polícia. Em entrevista, a esposa de um dos mortos, Cleiton Barbosa Moura, 24 anos, declarou que seu marido era ajudante de pedreiro e estava em casa cuidando do filho deles, de 10 meses, quando a polícia chegou ao local. Ela também mencionou que o homem havia sido preso por tráfico de drogas em 2020 e estava cumprindo pena.
— Ele estava terminando de pagar sua dívida com a Justiça, mas isso não justifica o que fizeram — desabafou a mulher, que preferiu não se identificar.
A reportagem teve acesso ao nome de outros dois mortos, Fabio Oliveira Ferreira e Rogerio Andrade de Jesus, por meio dos boletins de ocorrência. Os demais foram registrados como "desconhecidos" ou "indigentes".
Não há informações sobre possível participação dos mortos no assassinato de Patrick Bastos Reis nem se eles estavam envolvidos em outros crimes.
Quem é o suspeito de matar o PM gaúcho?
Erickson David da Silva, suspeito de ter atirado contra o policial militar Patrick Bastos Reis, foi capturado na zona sul de São Paulo, no domingo (30). A polícia relatou que o disparo ocorreu a uma distância superior a 50 metros.
Segundo informações da Polícia Civil, testemunhas e um comparsa de Erickson afirmaram que ele estava responsável por "fazer a contenção" de um ponto de tráfico, ou seja, ficava armado e vigilante enquanto outro indivíduo vendia drogas.
De acordo com a investigação, Erickson seria uma das novas lideranças do Primeiro Comando da Capital (PCC) que despontam na Baixada Santista. Ele teria conhecido a facção há sete anos e recebido lições de tiro em uma das células do grupo criminoso instaladas nos morros existentes na região.
Em um vídeo gravado antes de sua prisão, o suspeito negou qualquer envolvimento no caso e pediu que o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e o secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite, encerrassem a "matança" de supostos inocentes no Guarujá.
Quais os relatos das comunidades?
Em protesto na última segunda-feira (31), moradores das comunidades atingidas pelas operações afirmaram que os policiais têm invadido residências, agredido e matado pessoas que, segundo eles, são trabalhadores. E que o clima é de tensão, com temor de sair de casa à noite e comércios vazios.
Segundo o ouvidor Claudio Aparecido da Silva, moradores de Guarujá denunciaram que policiais torturaram e assassinaram um homem, além de terem ameaçado matar aproximadamente 60 pessoas nas comunidades locais. O ouvidor informou que solicitará imagens das câmaras instaladas junto ao corpo dos policiais durante as ações que terminaram em mortes.
Em nota enviada na segunda à Agência Brasil, a vice-presidente da Comissão Permanente de Direitos Humanos da OAB de São Paulo, Priscila Akemi Beltrame, manifestou “preocupação em relação às notícias de uso intensivo de violência por parte das forças de segurança retratadas em notícias e denúncias recebidas de familiares, moradores da região do Guarujá e organizações da sociedade civil”. Segundo Priscila, a comissão tem monitorado os fatos envolvendo essas mortes.
A Operação Escudo também recebeu críticas do Instituto Sou da Paz. Por meio de nota, o instituto declarou que “a resposta do Estado a crimes cometidos por policiais não pode ocorrer fora da legalidade e gerar mais violência”.
Em nota, a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns (Comissão Arns) manifestou preocupação com a operação da polícia que resultou na morte de “elevado número de ‘suspeitos’” e cobrou rigorosa investigação não só de autoridades policiais, mas também do Ministério Público, e acompanhamento da sociedade civil e dos órgãos federais responsáveis pela garantia dos direitos humanos.
Ouvidoria das polícias e Ministério Público apuram os casos.
O que diz o governador de São Paulo?
O governador Tarcísio de Freitas disse, na segunda-feira (31), estar "extremamente satisfeito" com a operação.
— Nós vamos investigar, prender, apresentar à Justiça e levar ao banco dos réus. Eu estou extremamente satisfeito com a ação da polícia, extremamente triste com o que aconteceu (a morte do policial), porque nada vai trazer um pai de família de volta — declarou.
Mais cedo,Tarcísio havia dito que "aqueles que resolveram se entregar à polícia foram presos, foram apresentados à Justiça" e alegou que "não houve excessos".
— Não podemos permitir que a população seja usada, não podemos sucumbir às narrativas. Estamos enfrentando o tráfico de drogas, o crime organizado. A gente tem que ter consciência disso. A gente tem uma polícia extremamente profissional que sabe usar a força na medida que ela tem que ser usada. Não houve hostilidade, excesso, houve atuação profissional que resultou em prisões e vamos continuar com as operações — completou.
O que diz o governo federal?
De acordo com o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, a operação policial não foi considerada "proporcional". Ele destacou que o crime contra o soldado, "que foi alvo de um terrível crime usando uma pistola de 9 milímetros", merece repulsa, mas a reação imediata das autoridades não pareceu apropriada ao crime cometido.
Por sua vez, o ministro dos Direitos Humanos e Cidadania, Silvio Almeida, informou que acionou a Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos para acompanhar o caso. Ele ressaltou que é necessário apurar o "crime bárbaro cometido contra um trabalhador", mas não se pode permitir que essa investigação seja utilizada como justificativa para "agredir ou violar os direitos humanos de outras pessoas".
O que diz a Defensoria Pública de São Paulo?
A Defensoria Pública do Estado de São Paulo enviou ofícios à Secretaria da Segurança Pública (SSP) e ao Ministério Público pedindo o fim da Operação Escudo. O pedido, segundo a Defensoria, se deve especialmente por causa do alto índice de mortes praticadas por policiais. São 16 até o momento. Os documentos são assinados pelo Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos (NCDH) da Defensoria, que também fez outras recomendações à Secretaria da Segurança Pública e ao Ministério Público.
"Recomenda-se que esta Secretaria adote as providências necessárias para que a operação citada seja imediatamente interrompida ou, caso haja alguma excepcionalidade que a justifique, que seja devidamente apresentada por escrito, ao Ministério Público, inclusive com a identificação dos responsáveis pelo comando da operação", diz o ofício encaminhado à SSP.
A Defensoria solicitou, entre outros itens, que sejam usadas câmeras corporais no uniforme de todos os policiais militares e civis envolvidos na operação, para que as abordagens passem por controle pelas autoridades competentes, e que ocorra o afastamento temporário das funções de policiamento ostensivo dos agentes envolvidos em mortes nas operações.