Poucas vezes a escolha do chefe da Procuradoria-Geral da República (PGR) atraiu tanta atenção e interesses políticos como na atual sucessão de Augusto Aras. Inclinado a ignorar a lista tríplice da categoria, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva estimula candidaturas avulsas e tem dito que fará uma escolha pessoal, marcada pela repulsa ao ativismo da Operação Lava-Jato.
Tal postura gerou um cenário inédito, com pelo menos oito postulantes ao cargo fazendo campanha nos bastidores do Palácio do Planalto, do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal (STF). Além de Luiza Frischeisen, Mario Bonsaglia e José Adonis, respectivamente os três mais votados na eleição realizada pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), estão na disputa Antônio Carlos Bigonha, Paulo Gonet Branco, Carlos Frederico Santos e Humberto Jacques (veja lista ao final da reportagem).
Cotados
Lula não dá pistas de suas preferências, mas três nomes despontam: Bigonha, Gonet e Bonsaglia. Cada um representa uma corrente de influência ao redor do presidente. Enquanto Bigonha é próximo a setores do PT, Gonet é apadrinhado pelos ministros do STF Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes. Bonsaglia se aproximou do governo nos últimos dias, em um movimento interpretado em Brasília como aceno de Lula à corporação, já que foi o único componente da lista tríplice a ser recebido no Planalto.
Criada em 2001 pela ANPR, a lista não tem valor legal. Pela Constituição, a única obrigação do presidente é indicar um procurador de carreira. Todavia, tanto Lula quanto Dilma Rousseff sempre indicaram os mais votados. Michel Temer quebrou essa tradição ao escolher a segunda colocada, Raquel Dodge, em 2017, e Jair Bolsonaro ignorou a lista ao nomear Augusto Aras duas vezes, em 2019 e 2021.
A iniciativa de Bolsonaro agora é usada por Lula para justificar seu descompromisso com a liturgia. O presidente pretende ouvir várias pessoas no processo de escolha, entre elas os ministros Flávio Dino (Justiça) e Alexandre Padilha (Relações Institucionais), atuais e ex-integrantes do STF e advogados que atuam como seus conselheiros, mas faz questão de frisar que será uma decisão individual.
– É um problema meu. Dentro da minha cabeça – resumiu, na última terça-feira.
Ao chamar a força-tarefa da Lava-Jato de "bando de aloprados" e definir como perfil ideal "alguém que não faça denúncia falsa", Lula fez com que todos os candidatos manifestassem críticas à operação. Nenhum foi tão explícito quanto Aras, que extinguiu o grupo em 2021 e destacou no relatório final de sua gestão o enfoque na descriminalização da política.
Em busca de recondução, o atual procurador-geral flertou com Lula e o PT no primeiro semestre, recebendo acenos do chefe da Casa Civil, Rui Costa, e do líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA). O gesto serviu apenas para evitar um esvaziamento do cargo antes do fim do mandato, em 26 de setembro, e a permanência de Aras é descartada nos principais gabinetes.
"Despedida"
Esse sentimento se cristalizou terça-feira, quando o próprio Aras falou em "despedida" durante seu discurso na reabertura dos trabalhos do Judiciário.
No mesmo dia, Bigonha e Bonsaglia despacharam com Padilha no Planalto. Ligado a expoentes petistas como José Dirceu e José Genoíno, Bigonha é considerado o mais próximo do partido, embora essa ala do PT não tenha muita influência nas indicações ao Judiciário. Discreto na carreira jurídica, é amigo da família Caymmi e costuma tocar piano em convescotes brasilienses.
Já Bonsaglia tem suporte das correntes sindicais. Tido como o mais orgânico dos candidatos pela defesa corporativa que faz do MPF, está na quinta lista tríplice consecutiva. Seu nome cresceu na última semana, sendo apontado como o único na lista com chances. Ciente das credenciais exigidas pelo Planalto, incorporou um discurso anti-Lava-Jato que contraria suas manifestações em sucessões anteriores da PGR.
Padrinhos
Apesar dessas movimentações ostensivas, Gonet é quem tem padrinhos mais influentes. Reservado na vida pessoal e nas articulações políticas, o atual vice-procurador-geral eleitoral tem perfil que agrada o governo.
É conservador em pautas de costume, mas refratário a holofotes e sem pretensão de ser paladino judicial. Tem no currículo a recente atuação no processo que tornou Bolsonaro inelegível, embora também tenha sido autor de parecer contrário à cassação de Deltan Dallagnol. Após fazer escolhas que depois considerou equivocadas, como Joaquim Barbosa e Dias Toffoli para o STF e Rodrigo Janot para a PGR, Lula agora quer reduzir ao mínimo as chances de arrependimento. Até mesmo o nome de Gonet lhe suscita dúvidas, por temer empoderar demais Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes.
Para evitar riscos, há quem instigue o presidente a nomear um procurador aposentado, ampliando o conceito tradicionalmente aceito de que apenas membros da ativa do MPF podem ser indicados. Neste caso, o nome sugerido é o de Eugênio Aragão, ex-ministro da Justiça de Dilma e um notório adversário da Lava-Jato.
O que faz o procurador-geral da República
Autoridade máxima do Ministério Público Federal, o procurador-geral da República atua junto aos tribunais superiores como fiscal da legislação. É o representante da sociedade na defesa de direitos dos quais não se abre mão, como o direito à vida, à liberdade e à saúde, por exemplo. Também é o responsável por investigar e propor ações penais contra autoridades com foro privilegiado.
O processo de escolha
A indicação do procurador-geral da República é prerrogativa exclusiva do presidente da República. Conforme a Constituição, a escolha se dá entre integrantes da carreira, com mais de 35 anos.
Desde 2001, a categoria elege uma lista tríplice a ser submetida à Presidência, mas não há obrigação legal de seguir o modelo. Após a indicação, o escolhido é sabatinado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal. Na sequência, o nome precisa ser aprovado por maioria absoluta do plenário do Senado. O mandato é de dois anos, com possibilidade de recondução por igual período.
Quem são os candidatos
Na lista tríplice
Luiza Frischeisen
Mais votada pela categoria, esbarra na disposição do presidente Lula de ignorar a lista tríplice.
Mario Bonsaglia
Segundo colocado na votação, tem apoio sindical e se aproximou do governo na última semana.
José Adonis Callou de Araújo Sá
Ex-coordenador da Lava-Jato na PGR, entrou apenas para compor a trinca de candidatos.
Fora da lista
Augusto Aras
Flerta com o governo na tentativa de ser reconduzido, mas é rejeitado pelos vínculos com o bolsonarismo.
Paulo Gonet Branco
Apadrinhado por Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes, é considerado um dos favoritos.
Antônio Carlos Bigonha
Ligado a uma ala do PT, é bem cotado e tem apoio de filiados históricos, como José Genoíno.
Carlos Frederico Santos
À frente dos inquéritos do 8 de janeiro, tem apoio de Aras para manter o grupo à frente da PGR.
Humberto Jacques de Medeiros
Também ligado a Aras, representa a situação e corre ao lado de Carlos Frederico.