O desempenho chama a atenção: desde o primeiro dia de mandato, Alexandre Bobadra protocolou 363 propostas. A maioria delas, de forma individual, sem a colaboração de algum colega da Câmara Municipal de Porto Alegre. Filiado ao Partido Liberal (PL), o político perdeu o mandato por abuso de poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação. A decisão foi do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul.
Mesmo diante da informação pública de que estava prestes a deixar o cargo com a definição de quem ocuparia sua vaga, na quarta-feira (23), Alexandre Bobadra utilizou seu último dia para protocolar mais três projetos de lei do legislativo (PLL). Um deles (PLL 550/23) cria o Dia Municipal do Sport Club Internacional Campeão do Mundo, a ser comemorado anualmente em 17 de dezembro; o segundo (PLL 551/23) cria o Dia Municipal do Trabalhador da Construção Civil, a ser comemorado anualmente em 26 de outubro; o último foi o PLL 552/23, que prevê o Dia Municipal do Artista Circense, a ser comemorado anualmente em 27 de março.
Das 363 propostas protocoladas durante os dois anos e meio de mandato, 220 (60%) delas focaram na criação de datas comemorativas. O suficiente para preencher mais da metade de um calendário com celebrações.
As sugestões são inúmeras: vão desde bairros (mais de 20), passam por profissões, homenagens a batalhões policiais, manifestações religiosas, pratos tradicionais e até sentimentos, conforme alguns listados a seguir:
- Dia municipal do carinho
- Dia municipal da bondade
- Dia municipal do conservadorismo
- Dia municipal de viver juntos na paz
- Dia municipal do Park Tupã
- Dia municipal da luz
- Dia municipal da milk shake
- Dia municipal do halawi libanês
- Dia municipal do Parque Jaime Lerner (Orla do Guaíba)
O rito para esse tipo de matéria costuma ser abreviado, passa pelo crivo das comissões e não chega a ser discutido em plenário. O ex-vereador também tentou criar o Dia Municipal do Vizinho, mas a iniciativa foi barrada porque a comemoração já existia.
— Chama a atenção e não é comum aqui na Casa. É algo pessoal do vereador, específico do mandato dele. Até mesmo as várias homenagens que ele fez. Não é comum. A gente até se surpreende — comenta o presidente da Câmara Municipal, Hamilton Sossmeier (PTB).
DIA DO PATRIOTA
Uma das datas propostas incluídas no calendário municipal é o Dia do Patriota. A comemoração foi fixada, a pedido de Bobadra, em 8 de janeiro - quando ocorreram os atos golpistas em Brasília, marcados pela invasão e depredação dos prédios dos Três Poderes.
Por meio de nota, a prefeitura destacou que "assim como na lei do vereador Aldaci Oliboni, que em junho último incluiu a data de 8 de janeiro no Calendário de Datas Comemorativas e de Conscientização do Município de Porto Alegre como Dia em Defesa da Democracia, o prefeito Sebastião Melo silenciou respeitando a decisão da Câmara Municipal, que aprovou para a mesma data a proposta do vereador Alexandre Bobadra".
Já o presidente Sossmeier, argumentou que a promulgação é uma das obrigações da presidência do legislativo, não cabendo fazer "julgamento de valor desta ou daquela pauta ou projeto. Quando aprovada pelo plenário, que nesta Casa é soberano, só cabe ao chefe do legislativo promulgá-la, o que fizemos", disse.
UMA PRÁTICA COMUM
Apesar de não existirem muitos estudos e pesquisas envolvendo vereadores Brasil afora, o cientista político da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Paulo Peres afirma que, via de regra, esse tipo de atuação é mais um padrão do que uma exceção. Nos municípios menores, inclusive, as propostas de nomes de ruas, homenagens e criação de datas comemorativas são ainda mais comuns.
— Só que dentro desse padrão, que parece ser relativamente inofensivo, vem acontecendo uma politização ideológica — avalia Peres.
Questionado sobre a necessidade de um debate mais aprofundado antes da aprovação de matérias do gênero, o professor acredita que esse tipo de medida, apesar de pertinente, pode se tornar contraprodutiva.
— Isso não tem resultado prático nenhum. O município tem uma série de problemas que precisam ser enfrentados. Deslocar isso para uma obrigatoriedade de aprovação do plenário pode bagunçar o processo legislativo. O que nós temos é um tumulto dos ritos democráticos, do processo legislativo, por causa dessa contaminação, que não ataca os problemas do município.
HOMENAGENS E MANIFESTAÇÕES
Além da criação de datas comemorativas e de frentes parlamentares (grupos de vereadores associados para debate de temas de interesse social), outra marca do mandato do político filiado ao Partido Liberal foi a concessão de homenagens a pessoas e instituições públicas, além das manifestações de solidariedade, apoio ou repúdio a determinados acontecimentos e assuntos do cotidiano.
Entre os beneficiados com as distinções estão o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL), que recebeu a Comenda Porto do Sol e o ex-ministro Onyx Lorenzoni, homenageado com o título de Cidadão de Porto Alegre a Onyx Lorenzoni.
As moções sugeridas, por sua vez, são caracterizadas por manifestações a respeito de fatos de relevância pública ou social. Bobadra tomou a iniciativa para demonstrar sua posição sobre diversos assuntos. Em uma das ocasiões, emitiu uma "moção de solidariedade às autoridades, familiares e amigos das vítimas do implacável terremoto que atingiu a região central da Turquia e o norte da Síria" em fevereiro deste ano.
FUTURO DOS PROJETOS
Atualmente, mais de cem projetos de autoria do ex-parlamentar seguem tramitando.
— Os projetos que não foram votados, tanto do vereador Alexandre Bobadra como de todo vereador que sai da casa, seguem o trâmite normal. Depois de passarem pelas comissões, para entrar na ordem do dia, é necessário que algum vereador que ele conheça peça a priorização do projeto (para inclusão na pauta) — afirma o presidente da Câmara de Vereadores.
De acordo com o site do legislativo porto-alegrense, as 137 proposições que ainda estão com o futuro em aberto representam cerca de 20% do total de matérias que tramitam na Câmara. Nenhum vereador em exercício tem mais projetos em tramitação atualmente. Atrás de Bobadra, por ordem de propostas em trâmite, vêm José Freitas (Republicanos) com 53, Claudio Janta (SD) com 28 e Aldacir Oliboni (PT) com 27.
CASSAÇÃO DO MANDATO
De acordo com o Ministério Público Eleitoral, Alexandre Bobadra recebeu a quantia de R$ 280 mil do Fundo Eleitoral, quase a metade de todos os recursos enviados pelo partido, para concorrer na eleição de 2020. Além disso, o candidato apareceu em quase um terço do tempo destinado à propaganda eleitoral do PSL - na época, ele era o presidente do diretório municipal. Em junho de 2022, o TRE-RS decidiu pela cassação em primeira instância. O vereador chegou a recorrer, mas após novo entendimento desfavorável ao réu, ainda existe a possibilidade de recurso junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).