Indicado para ocupar uma cadeira de ministro no Supremo Tribunal Federal (STF), o advogado Cristiano Zanin Martins, 47 anos, pode ser definido como o profissional que mudou de patamar e de trajetória com um cliente: Luiz Inácio Lula da Silva.
No mundo jurídico, predomina a avaliação de que Zanin tem vida acadêmica modesta, com graduação completa e uma especialização, e era um advogado pouco ilustrado até assumir a defesa de Lula diante da ofensiva da Operação Lava-Jato, que chegava no ápice do apoio popular em 2016, época em que aconteceu a polêmica condução coercitiva do petista para prestar depoimento no aeroporto de Congonhas. No ano seguinte, em julho, Lula era condenado em primeira instância a cumprir nove anos e seis meses de prisão pelo caso do triplex do Guarujá.
Zanin sequer tinha atuação na área criminal até então. Seu foco era o Direito Civil. O que aconteceu entre os primórdios da defesa e os meses de abril e junho de 2021, quando o STF declarou a parcialidade do ex-juiz e atual senador Sergio Moro ao julgar Lula, anulando as duas sentenças condenatórias, foi a gênese de Zanin.
Com o auxílio do episódio que ficou conhecido como Vaza-Jato e uma certa mudança no humor político do país, ele finalizou o processo festejado pelo lulismo e pelo garantismo jurídico, vitorioso na tese de que Moro era parcial. Zanin também se converteu em referência nacional na discussão do lawfare, quando o Direito e a Justiça são utilizados com fins políticos.
— Ele mergulhou de corpo e alma no caso do Lula e compensou a falta de experiência com dedicação. Estudou muito e se cercou de pessoas competentes. Se tornou um grande advogado criminalista neste caso, mas não era. Se tivesse de sintetizar o Zanin, eu diria dedicação, resiliência e resistência aos ataques. Ele apanhou de tudo quanto foi lado. E foi muito forte — diz o advogado criminalista Aury Lopes Junior, que trocou impressões e chegou a auxiliar Zanin quando os processos de Lula subiram à segunda instância, no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), sediado em Porto Alegre.
Outro advogado com atuação em processos na Lava-Jato, o criminalista Alexandre Wunderlich avalia que Zanin acabou se consolidando como um bastião do garantismo ante os métodos da Lava-Jato.
— Há um consenso entre os advogados que atuaram na Lava-Jato sobre a sua combatividade e persistência contra a atuação conjunta do juiz e do Ministério Público Federal em Curitiba. Sinal de que é determinado e tem coragem — diz Wunderlich.
Para além de ter se revelado um criminalista combativo, Zanin conquistou a confiança de Lula, eleito nas urnas para um terceiro mandato de presidente da República em 2022. O vínculo levou o petista a indicar Zanin ao STF, em substituição a Ricardo Lewandowski, atualmente aposentado da Suprema Corte.
Entre os aliados de Lula, Lewandowski era considerado o mais fiel dos ministros do STF indicados nos governos do PT. Na escolha do substituto, Lula resolveu enfrentar até as avaliações de aliados de que seria inadequado alçar um profissional que foi seu advogado pessoal em processos criminais, de relação tão íntima, para exercer a magistratura na mais alta Corte de Justiça do Brasil.
Trajetória
Cristiano Zanin Martins é paulista de Piracicaba. Ele mudou-se para São Paulo em meados da década de 1990 para estudar Direito na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Depois de graduado, foi professor de Direito Civil e de Direito Processual Civil na Faculdade Autônoma de Direito (Fadisp).
Entre 2004 e 2022, o agora indicado a ministro do STF foi sócio do Teixeira Zanin Martins Advogados, escritório em que atuava ao lado da esposa, Valeska, e do sogro Roberto Teixeira, compadre de Lula. O futuro viria a colocar Zanin na defesa de Lula na esfera criminal por intermédio de Teixeira, que tinha relação pessoal com o presidente da República e o defendera na Justiça em processos anteriores.
A partir de julho de 2022, Zanin e Valeska deixaram a sociedade com Teixeira e fundaram o escritório Zanin Martins Advogados. Houve uma fissura familiar que culminou nesse desfecho, o que chegou a ser usado nos bastidores para tentar desgastar a nomeação ao STF. A exploração do caso deu ensejo à organização de uma carta de solidariedade a Zanin assinada por juristas. Entre os signatários, constaram advogados de proa do grupo Prerrogativas, que tinham, ao menos em parte, inclinação pela indicação do ex-secretário-geral do STF Manoel Carlos de Almeida Neto, o preferido de Lewandowski, para a cadeira de ministro.
Para um jurista que se manifestou sob anonimato, a ascensão de Zanin à Corte difere da dos ministros Luís Roberto Barroso e Edson Fachin, ambos de currículos considerados "invejáveis". A nomeação do até então advogado de Lula se assemelha, avalia, às de Dias Toffoli e André Mendonça.
— Os três não tinham expressão acadêmica, mas adquiriram expressão política. São casos que se alinham. Mesmo sem vida acadêmica significativa, Zanin é preparado — diz um advogado com atuação na Lava-Jato.
Também há avaliações críticas de que o indicado ao STF se mostrou um jurista comum, sem brilho nas suas teses de defesa, mas que se beneficiou da máxima de estar no lugar certo e na hora certa: exatamente quando a Vaza-Jato e o desgaste do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro permitiram uma mudança na maré da política brasileira. No final, o enredo resultou na anulação das condenações de Lula.
Resistência
Pelo menos dois episódios, mais graves do que o fogo amigo e as pressões do entorno de Lula, destacaram a fortaleza psicológica de Zanin no tempo em que atuou na defesa do presidente da República.
O primeiro deles foi a ordem de busca, apreensão e bloqueio de valores, em setembro de 2020, contra ele e outros advogados, por determinação do juiz Marcelo Bretas, que conduziu processos da Lava-Jato no Rio de Janeiro. A investigação dizia respeito, entre outros fatores relacionados ao Sistema S, a supostos honorários indevidos recebidos pelo escritório de Zanin junto à Fecomércio do Rio de Janeiro.
As decisões de Bretas foram anuladas posteriormente pelo STF, mas o episódio foi considerado no meio jurídico uma humilhação para a classe advocatícia, em meio à guerra com a Lava-Jato.
O outro caso aconteceu no aeroporto de Brasília, em 11 de janeiro de 2023. Enquanto o futuro toga preta escovava os dentes no banheiro, um homem se aproximou com celular em punho, fazendo filmagens ostensivas, ofendendo reiteradamente com menções a "safado" e "vagabundo", acrescidas de ameaças de agressões. Zanin não esboçou qualquer reação e, ao terminar a higiene, se retirou.
— Foi uma violência absurda e gerou revolta muito grande no meio jurídico. Eu perderia minha primariedade ali e iria todo mundo para a delegacia, mas ele fez o certo e teve muita classe — diz o advogado criminalista Aury Lopes Junior.