A Polícia Federal está convencida de que assessores montaram um cenário fictício de vacinação contra a covid-19 para Jair Bolsonaro de modo a permitir que o então presidente viajasse aos Estados Unidos - sem vacina, ele não entraria naquele país. A grande novidade que surge na leitura das 114 páginas do relatório de investigação da PF a respeito desse caso é que Bolsonaro não esteve no local e no município em que teria se imunizado (Duque de Caxias, no RJ), na data que consta na sua carteira de vacinação.
Conforme auditoria da Controladoria-Geral da União (CGU), que embasa a investigação da PF, "o ex-presidente Jair Messias Bolsonaro não esteve no município de Duque de Caxias (RJ) no dia 13/08/2022, data em que teria tomado a primeira dose da vacina da fabricante Pfizer. Permaneceu na cidade do Rio de Janeiro até seu retorno para Brasília (DF), às 21h25min daquele dia".
Ou seja, se foi forjado mesmo o cartão de vacinação de Bolsonaro, os assessores não tiveram o cuidado de escolher um local para a imunização em que o presidente tenha comparecido. Pelo menos, em relação à primeira dose da vacina contra a covid.
Já em relação à segunda dose que consta no cartão de vacinação do ex-presidente, em 14/10/2022, a CGU relata que, "apesar de ter comparecido a uma caminhada na cidade de Duque de Caxias/RJ, às 11h da manhã, não há nenhum indicativo de que o ex-presidente Jair Messias Bolsonaro tenha comparecido à unidade de saúde do referido município para se vacinar. Fato que se tivesse ocorrido seria amplamente noticiado, considerando sua notoriedade".
A CGU afirma ainda que Bolsonaro embarcou para a cidade de Belo Horizonte às 13h40min daquele dia, ficando pouco tempo no município de Duque de Caxias/RJ.
Ou seja, se ele se imunizou, ninguém viu ou relatou.
Esses são alguns dos elementos que levaram a PF a solicitar medidas judiciais contra o círculo íntimo de assessores de Bolsonaro. Foram 16 mandados de busca e apreensão e seis mandados de prisão preventiva, concedidos pelo Supremo Tribunal Federal e cumpridos nesta quarta-feira (3).
A auditoria da CGU é o ponto de partida. Restava o desafio, à PF, de identificar quem forjou, supostamente, os dados de vacinação de Jair Bolsonaro. A partir da investigação do sistema computadorizado do Ministério da Saúde e do ConecteSUS, os federais chegaram ao IP de computador de João Carlos Brecha, secretário de Cultura e Turismo do município de Duque de Caxias (onde supostamente teria ocorrido a vacinação). Conforme a PF, Brecha "inseriu no sistema SI-PNI os registros de vacinação nos dias 21 e 22 de dezembro de 2022, cerca de dois a cinco meses após as datas de imunização. Os dados relativos a Jair Bolsonaro e sua filha L. B. foram inseridos em 21/12/2022, no intervalo entre 18h59min e 23h11min".
Os seis presos teriam combinado a inserção de dados falsos relativos à vacinação, não só de Bolsonaro, como também deles próprios e seus familiares. Isso porque vários deles faziam parte da escolta do então presidente ou, como é o caso do tenente-coronel Mauro Cid, ajudante de ordens de Bolsonaro. Tudo para poderem viajar aos Estados Unidos, como relata trecho da decisão do STF:
"...a Polícia Federal aponta a existência de uma associação criminosa com vários beneficiários, entre eles uma parlamentar federal, para a inserção de dados falsos nos sistemas do SUS, possibilitando aos investigados a obtenção dos benefícios do certificado de vacinação sem que, necessariamente, tenham se vacinado".
Num diálogo interceptado pela PF, Cid (um dos presos nesta quarta-feira) avisa aos familiares: "Eu não vou tomar..... nem as crianças..... As vacinas ainda estão em fase de teste...... To fora.....”. Quando soube da viagem aos EUA, teria solicitado falsos certificados de imunização.
Conforme destaca Alexandre de Moraes, ministro do STF que determinou as medidas, "estão inequivocamente demonstrados nos autos os fortes indícios de materialidade e autoria dos crimes previstos nos artigos 268 (infração de medida sanitária preventiva) 288 (associação criminosa), 299 (falsidade ideológica), 304 (uso de documento falso), 313-A (inserção de dados falsos), todos do Código Penal", além de 244 da Lei 8.069/90 (corrupção de menores, relativa à filha de Bolsonaro, também supostamente beneficiada pela falsificação doa dados).