Eram 17h31min de uma quinta-feira, 5 de abril de 2018, quando o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) publicou ofício determinando execução da pena de 12 anos de prisão imposta ao então ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no processo do tríplex do Guarujá. Exatos 19 minutos depois, Sergio Moro, à época titular da 13ª Vara Federal de Curitiba, expedia o mandado que levaria Lula a passar 580 dias na cadeia.
Quase cinco anos após o ato de maior repercussão da Lava-Jato e em um momento em que Lula e Moro trocam acusações em razão de uma operação que desarticulou plano do PCC para sequestrar o hoje senador, o tribunal vive tempos bem mais calmos. A 8ª Turma, colegiado responsável por confirmar a condenação de Lula, teve a composição totalmente reformulada e são escassos os julgamentos envolvendo a operação.
Atualmente, há 19 apelações criminais da Lava-Jato aguardando decisão no TRF4, nenhuma envolvendo figurões da política ou do mercado empresarial como era rotina antigamente. No julgamento mais recente, realizado em outubro de 2022, há quase seis meses, foi mantida a condenação de um ex-gerente da Petrobras e três executivos de empreiteiras.
No ano passado, a 8ª Turma julgou apenas quatro processos do caso, número superior somente aos analisados em 2020, na pandemia, e em 2015, quando começaram a chegar à Corte os primeiros recursos das sentenças de Moro.
Nos tempos áureos da operação, por duas vezes, a 8ª Turma chegou a julgar quatro apelações criminais em um único mês. Os maiores volumes foram registrados em 2017, com 16 julgamentos, e em 2018, com mais 12. Desde então, o ritmo caiu. No período de maior movimentação da Lava-Jato no colegiado, depois disso, o trio de desembargadores julgou sete apelações em 2019.
No mesmo ano, houve a primeira baixa na turma que julgou os casos de maior repercussão do tribunal, levando à cadeia não só Lula como os ex-ministros José Dirceu e Antonio Palocci, o ex-deputado Eduardo Cunha e os empresários Marcelo Odebrecht e Leo Pinheiro. Eleito para a presidência do TRF4, o desembargador Victor Laus trocou de lugar com o colega que deixava o posto, Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, que é o atual presidente do colegiado.
Licença
Laus concluiu seu mandato à frente do tribunal em 2021. Todavia, o catarinense de Joaçaba não quis voltar à Lava-Jato. Preferiu migrar para a 4ª Turma, onde julga ações administrativas, cíveis e criminais.
O segundo a deixar a 8ª Turma foi Leandro Paulsen. Nascido em Porto Alegre, Paulsen era presidente do colegiado no julgamento de Lula e revisor das apelações. Em junho de 2021, transferiu-se para a 1ª Turma, na qual atua na sua área de especialidade, o Direito Tributário. Atualmente, está de licença para cursar doutorado na Espanha.
O substituto de Paulsen tem experiência em escândalos de corrupção envolvendo agentes públicos. Natural de Santa Maria, Loraci Flores de Lima foi o responsável pela condenação em primeira instância de 29 dos 32 réus da Operação Rodin, que investigou desvio de recursos do Detran-RS. Na 8ª Turma, ele atuou como juiz convocado até tomar posse definitiva como desembargador em dezembro do ano passado.
O último a deixar o colegiado foi o principal juiz da Lava-Jato na Corte. Como relator de todos os processos envolvendo a operação, João Pedro Gebran Neto era o magistrado mais temido pelos réus, não só pelo poder de tomar decisões monocráticas, mas também pela influência que exercia sobre os colegas na redação do relatório e do primeiro voto em cada julgamento. Em muitas ocasiões, sua posição foi chancelada por unanimidade. Tal situação impedia os embargos infringentes, recurso com poder de mudar decisão no próprio tribunal, como ocorreu nos dois julgamentos de Lula na 8ª Turma.
Gebran saiu do colegiado em outubro do ano passado. Natural de Curitiba, ele voltou à cidade natal, onde preside a 12ª Turma. No novo órgão, que pertence ao TRF4, mas funciona na capital paranaense, julga ações comerciais, administrativas e cíveis.
Para o lugar de Gebran, foi deslocado o desembargador Marcelo Malucelli. Com 29 anos de atuação na Justiça Federal, Malucelli também é paranaense e foi diretor do foro da Seção Judiciária do Paraná. Além do posto, herdou a função de relator da Lava-Jato na Corte.
Balanço
Durante o período de Gebran à frente da operação, a 8ª Turma julgou 54 apelações. Nelas, foram analisadas 259 vereditos de primeira instância. Em 225 casos, a decisão inicial foi mantida, com a confirmação de 31 absolvições e de 194 condenações. Quando reiterou a culpa dos réus, o trio de desembargadores aumentou a pena em 68 ocasiões, ante 61 reduções — em 65 casos, a pena foi mantida.
A confirmação de 87% das sentenças de primeira instância demonstra sintonia entre a 13ª Vara Federal de Curitiba com a 8ª Turma do TRF4. Na última semana, porém, a tranquilidade dessa relação foi quebrada após o novo juiz da 13ª Vara, Eduardo Appio, decretar a prisão do doleiro Alberto Youssef.
Principal delator do esquema de corrupção na Petrobras, Youssef foi alvo de um prende e solta que, por duas vezes, antagonizou decisões de Appio e Malucelli. Preso no último dia 20 a mando do juiz, sem pedido prévio do Ministério Público, o doleiro obteve um habeas corpus de Malucelli no dia seguinte. Porém, uma hora após essa decisão, Appio decretou mais uma vez prisão de Youssef. A medida gerou nova ordem de soltura emitida pelo desembargador, só então cumprida.
A despeito da recente controvérsia e do aparente desacerto entre os condutores da Lava-Jato em primeira e segunda instância, ainda há muito trabalho pela frente para os magistrados. Somente na 13ª Vara, há cerca de 240 processos referentes à operação, sendo 62 ações penais em andamento e outros 70 procedimentos correndo em sigilo. Tão cedo a Lava-Jato não acaba.