O novo rumo da Ceitec, empresa federal de fabricação de chips que entrou em liquidação, localizada em Porto Alegre, deve começar a ser definido de forma oficial até 10 de fevereiro. Esse é o prazo em que se encerra o período de administração sob responsabilidade de liquidante nomeado ainda na gestão do então presidente Jair Bolsonaro.
Para a empresa não cair em uma espécie de limbo legal, que poderia prejudicar até o repasse de recursos, é necessário regularizar a situação por meio de assembleia. Esse encontro pode indicar novos gestores ou prorrogar o período de liquidação a fim de garantir um pouco mais de tempo para formatar o novo modelo da Ceitec — o governo de Luiz Inácio Lula da Silva comunicou a intenção de reverter a desestatização da unidade e retomar a produção.
O liquidante, oficial da reserva da Marinha Abílio Eustáquio de Andrade Neto, confirma que é necessário apontar os passos seguintes da empresa até o dia 10 para evitar problemas jurídicos.
— Meu prazo termina nessa data. É preciso ter um liquidante ou outro representante indicado em assembleia, ou a empresa pode até ficar sem dinheiro. No momento, a situação ainda está indefinida, aguardando definições da ministra — afirma Andrade Neto, em referência à titular da pasta de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), Luciana Santos, a quem a Ceitec está vinculada.
Procurado por GZH, o ministério informou no último dia 1°, por meio da assessoria de comunicação, que não tem “informações para compartilhar sobre o assunto neste momento”.
Fontes ligadas ao caso avaliam que a prorrogação do mandato do liquidante é hipótese a ser considerada em razão do pouco tempo para que diferentes ministérios se coordenem para revertê-la — além do MCTI, Fazenda, Planejamento e Indústria e Comércio estão indiretamente envolvidos no processo.
Se houver decisão de já encaminhar a nomeação de nova diretoria, seria preciso apontar novo presidente do conselho de administração, novo presidente geral e, posteriormente, novos diretores e conselheiros.
Meu prazo termina nessa data. É preciso ter um liquidante ou outro representante indicado em assembleia, ou a empresa pode até ficar sem dinheiro. No momento, a situação ainda está indefinida.
ABÍLIO EUSTÁQUIO DE ANDRADE NETO
Liquidante da Ceitec
Mesmo que uma decisão do Tribunal de Contas da União (TCU) tenha suspendido o andamento da desestatização em setembro de 2021, toda a fabricação de dispositivos se encontra paralisada até o momento.
Conforme a Associação de Colaboradores e Ex-colaboradores da empresa (Acceitec), perto de 70 funcionários trabalham no serviço de manutenção dos espaços e equipamentos da Ceitec — já foram cerca de 190, dos quais 57% tinham pós-graduação. Muitos aceitaram convites para trabalhar em companhias de alta tecnologia fora do país.
— Quem ficou, foi principalmente por razões familiares. Todo dia chega alguma nova oferta para alguém sair — afirma o presidente da Acceitec, Sílvio Luís Júnior.
Obstáculos à retomada
Confirmada a preservação da Ceitec, o reinício da fabricação de chips não deverá ser imediato e vai precisar superar obstáculos.
A liquidação da empresa manteve o ambiente e os equipamentos em boas condições, mas a retomada das atividades envolve desafios como a recontratação de profissionais com pouca disponibilidade no mercado, discussões sobre o modelo de negócio e a reconquista de clientes perdidos depois de 2021 – último ano de produção.
O passo zero tem de ser recontratar a equipe, mas a dificuldade é que não tem gente com a experiência necessária disponível no mercado. Seria preciso, talvez, criar programa de treinamento interno para formar novos profissionais.
SÍLVIO LUÍS JÚNIOR
Presidente da Acceitec
— O passo zero tem de ser recontratar a equipe, mas a dificuldade é que não tem gente com a experiência necessária disponível no mercado. Seria preciso, talvez, criar programa de treinamento interno para formar novos profissionais — observa o presidente da Acceitec, Sílvio Luís Júnior.
Atualmente, segundo a associação de colaboradores, resta pouco mais de um terço da força de trabalho que a Ceitec já teve. A empresa vinha fabricando dispositivos como os de identificação e rastreio de animais (o chip do boi) e de veículos, por meio de uma etiqueta colada no para-brisa que permite pagamento automático em cancelas de pedágio ou estacionamento. Para a Acceitec, haveria potencial para estender a tecnologia a áreas como saúde ou defesa, por exemplo.
Críticos à manutenção da Ceitec como empresa pública sustentam que a unidade tem capacidade de fabricar wafers (lâminas de chips) de seis polegadas, enquanto fábricas mais avançadas chegam a 12 polegadas e com tecnologia muito mais moderna. Coordenador do Instituto de Semicondutores da Unisinos, Celso Peter entende que eventuais limitações da Ceitec não a inviabilizam:
— Há muitas fábricas novas sendo construídas no mundo para produzir lâminas de seis polegadas. Há muita coisa que pode ser feita com a tecnologia que se tem lá, como aplicações automotivas.
Empresário do setor de tecnologia e coordenador do Conselho de Comércio Exterior da Federação das Indústrias do RS, Aderbal Fernandes Lima sustenta que não há como a Ceitec “acompanhar a corrida” tecnológica mundial. Mas entende que a reativação pode atender mercado de dispositivos menos sofisticados e servir como polo de formação de profissionais — o que facilita a atração de outras companhias do setor.
— Não temos condições de fazer chips avançados nem colocando mais alguns bilhões de reais em investimento. Mas podemos formar talentos e fabricar chips que não precisam de tanta tecnologia — diz Lima, lembrando que também é possível fazer aqui o design de chips mais sofisticados, o que garante propriedade intelectual e possibilidade de lucros, e apenas mandar fabricá-los fora do país.
A trajetória da Ceitec
- 2000 – A Ceitec é fundada como entidade civil por meio de parcerias entre diferentes níveis de governo e colaboração da Motorola, que doou um conjunto de equipamentos.
- 2008 – Decreto presidencial cria a Ceitec SA como empresa 100% federal.
- 2009 – Inaugurados o prédio administrativo e o Design Center, no mês de março.
- 2010 – Inauguração da fábrica com sala limpa (ambiente controlado para produção) de quase 2 mil metros quadrados na Capital.
- 2011 – Acordo de transferência de tecnologia com a empresa alemã X-Fab para produção de circuitos integrados. Ceitec anuncia produção de chip utilizado para rastrear animais (chip do boi) em escala comercial.
- 2012 – Assina convênio com Casa da Moeda para desenvolvimento de novo chip do passaporte brasileiro.
- 2013 – Passa a oferecer ao mercado chip para uso de empresas que desenvolvem soluções para o Sistema Nacional de Identificação Automática de Veículos.
- 2018 – Chega a 100 milhões de unidades de chips produzidas.
- 2020 – Inclusão no Programa Nacional de Desestatização, no governo de Jair Bolsonaro.
- 2021 – Tribunal de Contas da União (TCU) suspende o processo de extinção da Ceitec. O tribunal considerou frágeis as justificativas para liquidar a empresa por sua “posição estratégica na produção nacional de semicondutores”. O TCU também solicitou ao governo informações sobre regularização do terreno onde se encontra a Ceitec e recursos necessários para serviços de descontaminação e desativação das instalações.
- 2023 – Já sob o governo Lula, a ministra de Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos, comunica formalmente o Estado sobre decisão de reverter o processo de liquidação da Ceitec. Como o período de vigência da liquidação vence em 10 de fevereiro, uma assembleia deve apontar os próximos passos da empresa antes disso.