Anunciada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva após as invasões golpistas registradas neste domingo (8) em Brasília, a intervenção federal é uma medida extraordinária prevista na Constituição Federal em que o governo federal chama para si a responsabilidade sobre as decisões que seriam de competência dos Estados. Como Lula decretou a medida apenas na secretaria da Segurança Pública do Distrito Federal, o governador local, Ibaneis Rocha, seguirá à frente das outras áreas da administração. O decreto vale até 31 de janeiro.
O documento indicou o secretário-executivo do Ministério da Justiça, Ricardo Garcia Cappelli, como interventor durante o período. Assim, Cappelli assume o vácuo deixado após a exoneração do secretário de Segurança do DF, Anderson Torres. O afastamento foi divulgado pelo governador Ibaneis Rocha, nesta tarde, após a invasão. A queda de Torres, que foi ministro da Justiça de Jair Bolsonaro, ocorreu em meio a críticas sobre sua atuação frente às ameaças golpistas que já vinham sendo feitas nos últimos dias. Neste domingo, enquanto os atos ocorriam em Brasília, ele estava de férias nos Estados Unidos, conforme o jornal Folha de São Paulo. Também nesta tarde foi pedida a prisão de Torres, pela Advocacia-Geral da União.
A intervenção federal está prevista no artigo 34 da Constituição de 1988, e pode ser aplicada em algumas situações, como por exemplo para coibir grave comprometimento da ordem pública, para manter a integridade nacional e para garantir o livre exercício de qualquer dos Poderes nas Unidades da Federação. A possibilidade da intervenção existe desde 1891, quando foi promulgada a primeira constituição pós-proclamação da República.
Na prática, quando há a intervenção, as competências que seriam do Estado passam a ser desempenhadas pelo governo federal, explica o advogado e professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), André Callegari. No caso do Rio Grande do Sul, por exemplo, é como se a União assumisse o comando das forças de segurança estaduais, como Brigada Militar e Polícia Civil.
— O que era de delegação e competência do secretário de segurança é transferido ao interventor, que fica responsável e pode acionar forças de segurança, determinar iniciativas e políticas de contenção. É uma intervenção parcial, neste caso. Na prática, se retira o poder do secretário — diz Callegari.
Conforme o pós-doutor em Direito Penal e professor da PUC-RS, Marcelo Peruchin, o decreto tem de ser apreciado e autorizado pelo Congresso Nacional em até 48 horas. O especialista explica que a medida é legal e não enfrenta contradições jurídicas:
— A intervenção determinada pelo presidente é uma atribuição que lhe é conferida pela Constituição em hipóteses nela previstas. Ela se justifica diante do comprometimento da ordem pública, por exemplo, e pode ser parcial, especificamente na área de segurança do Distrito Federal, como se viu. O decreto determina a intervenção e delimita a sua extensão.
Durante a intervenção, a Constituição Federal proíbe qualquer restrição de direitos e garantias. Portanto, o Poder Judiciário pode ser acionado em caso de abusos de autoridade.
Medida semelhante foi tomada pelo ex-presidente Michel Temer em 2018, quando ele determinou intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro em razão de uma onda de violência. Assim, o Exército assumiu responsabilidade sobre as polícias, os Bombeiros e a área de inteligência do Estado.
Já a intervenção militar é uma medida radicalmente diferente, que não está prevista na Constituição Federal e representa um rompimento das regras vigentes no país, desrespeitando princípios democráticos.