No primeiro dia de seu terceiro mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assinou quatro medidas provisórias e 52 decretos com impacto sobre as áreas ambiental, econômica e social. Além disso, o petista revogou uma série de atos de seu antecessor, Jair Bolsonaro (PL).
Entre as primeiras determinações de Lula estão a manutenção do pagamento de R$ 600 do Auxílio Brasil para famílias de baixa renda e a prorrogação da desoneração de impostos federais sobre gasolina e diesel. As decisões foram assinadas no domingo (1º) e estão publicadas no Diário Oficial da União (DOU) desta segunda-feira (2).
As medidas provisórias já entraram em vigor a partir da publicação, mas precisam ser aprovadas pelo Congresso em até 60 dias, prorrogáveis por mais 60 dias. Nesse período, deputados e senadores irão decidir se transformam as medidas em lei. Caso não sejam votados em 120 dias, os atos perdem a validade.
No caso dos decretos, não há necessidade de aprovação pelo Congresso.
Confira os principais atos assinados por Lula:
Preço dos combustíveis
Uma das medidas provisórias de Lula prorroga o prazo de desoneração de impostos federais que incidem sobre os combustíveis. A determinação mantém zerada a cobrança de PIS/Pasep e Cofins sobre gasolina, álcool, querosene de aviação e gás natural veicular até 28 de fevereiro.
No caso do diesel, biodiesel, gás natural e gás de cozinha, os impostos federais permanecem zerados até 31 de dezembro.
A desoneração havia sido adotada pelo governo Bolsonaro como forma de conter os preços dos combustíveis, e tinha validade apenas até 31 de dezembro de 2022. Sem a prorrogação, o impacto nos postos poderia chegar a 70 centavos no litro da gasolina e 33 centavos no óleo diesel. Do ponto de vista dos cofres públicos, a medida representa uma perda de arrecadação de R$ 25 bilhões em 2023, conforme o jornal O Globo.
Extinção da Funasa
Em outra medida provisória, Lula extingue a Fundação Nacional de Saúde (Funasa) e determinou que as atividades, o patrimônio e os servidores da antiga estrutura sejam absorvidos pelos ministérios da Saúde e das Cidades.
Criada em abril de 1991, a Funasa tem sede em Brasília e 26 superintendências nos Estados. O órgão atua no saneamento e na prevenção de doenças e, tradicionalmente, era alvo de disputa por indicações de partidos políticos aliados ao governo.
R$ 600 para famílias pobres
Uma terceira medida provisória assinada por Lula cumpre uma das promessas de campanha e mantém o Auxílio Brasil em R$ 600. O pagamento será viabilizado pela emenda originada da PEC da Transição, aprovada pelo Congresso em dezembro e que amplia o limite de gastos do governo.
O auxílio de R$ 600 já vinha sendo pago por Bolsonaro, mas o valor tinha validade apenas até dezembro. Significa que, sem a medida, o benefício seria reduzido a R$ 400 em janeiro.
Outro compromisso assumido na campanha, o adicional de R$ 150 para cada criança de até seis anos, de idade ficou de fora do texto da MP.
No texto assinado por Lula também consta o pagamento do Auxílio Gás. O beneficiário receberá o valor de um botijão de 13 quilos por família a cada dois meses.
Reorganização dos ministérios
Na medida provisória em que trata da estrutura e do número de ministérios do novo governo, Lula determina a recriação do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), que havia sido extinto por Bolsonaro em 2019.
O texto define que caberá ao Consea assessorar o presidente da República "na formulação de políticas e na definição de diretrizes para a garantia do direito humano à alimentação" e no combate à fome. O conselho será diretamente vinculado à Presidência.
Privatizações
Em despacho presidencial, Lula determina a revogação dos atos que dão andamento à privatização de oito estatais:
- Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT;
- Empresa Brasil de Comunicação - EBC;
- Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência - Dataprev;
- Nuclebrás Equipamentos Pesados S.A. - Nuclep;
- Serviço Federal de Processamento de Dados - Serpro;
- Armazéns e imóveis de domínio da Companhia Nacional de Abastecimento - Conab;
- Empresa Petróleo Brasileiro S.A. - Petrobras;
- Empresa Brasileira de Administração de Petróleo e Gás Natural S.A. - Pré-Sal Petróleo S.A. - PPSA.
O presidente justifica que é necessário "assegurar uma análise rigorosa dos impactos da privatização sobre o serviço público" e sobre os mercados em que a empresas públicas atuam.
Armas
Um dos decretos de Lula revoga uma série de normas editadas por Bolsonaro e restringe a compra de armas por caçadores, colecionadores, atiradores e particulares. Confira os principais destaques do texto:
- Suspensão de registros de armas e de munições para caçadores, colecionadores, atiradores (CACs) e particulares
- Diminuição do limite de armas e munições de uso permitido
- Suspensão de novos registros de clubes e de escolas de tiro
- Suspensão de novos registros para CACs
- Criação de grupo de trabalho para apresentar uma nova regulamentação para o Estatuto do Desarmamento, de 2003
Pelo Twitter, o ministro da Justiça, Flávio Dino, escreveu que o decreto sobre o controle de armas busca "encerrar o período irresponsável do 'liberou geral'".
"O novo decreto presidencial suspende novas aquisições de armas de uso restrito; novos CACs; novos clubes de tiro. Reduz armas de uso permitido. E haverá um recenseamento geral de armas existentes no Brasil, visando separar o joio do trigo", disse Dino.
Fundo Amazônia
Na área ambiental, Lula editou decreto que retoma o funcionamento do Fundo Amazônia, que serve de apoio à proteção e conversação da floresta. O texto autoriza o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) a retomar a captação de doações financeiras para investimentos em prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento.
O fundo é financiado pelos governos da Noruega e da Alemanha e conta com R$ 3,3 bilhões, que atualmente estão parados. O governo norueguês suspendeu os repasses em agosto de 2019, depois que o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, extinguiu dois comitês que faziam a gestão do fundo. Na época, Salles dizia que existiam indícios de irregularidades no fundo.
Fundo Nacional do Meio Ambiente
Por decreto, o novo governo restituiu a obrigação de destinar 50% dos valores arrecadados em multas aplicadas pela União para o Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA). Desde de 2008, no segundo governo Lula, o valor havia sido reduzido para 20%, percentual que se mantinha desde então. O FNMA foi criado em 1989 e atua no apoio a projetos socioambientais de conservação e de uso sustentável dos recursos naturais.
Em outro decreto, Lula amplia a participação de representantes da sociedade civil e de organizações não-governamentais (ONGs) no Conselho Deliberativo do Fundo Nacional do Meio Ambiente. Em 2020, Salles havia retirado a sociedade civil do conselho e mantido apenas representantes do governo.
Mineração
Lula revogou um decreto assinado por Bolsonaro em fevereiro de 2022 que flexibilizava as leis de combate ao garimpo ilegal. O texto anterior tinha criado o Pró-Mapa (Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Mineração Artesanal e em Pequena Escala), de estímulo ao garimpo na região da Amazônia Legal.
Perda de R$ 5,8 bilhões
Na lista de revogações de Lula estão três decretos publicados no penúltimo dia de mandato de Bolsonaro e que retirariam R$ 5,8 bilhões de receitas do novo governo. Os atos foram assinados pelo então vice-presidente Hamilton Mourão, que estava no exercício da presidência após a ida do titular aos Estados Unidos.
O primeiro decreto de Mourão reduzia as alíquotas de PIS/Cofins sobre receitas financeiras de grandes empresas, o segundo regulamentava a prorrogação do programa de incentivos fiscais para o setor de semicondutores (Padis) até 2026 e o terceiro concedia desconto de 50% no adicional ao frete para a renovação da Marinha Mercante.
Segredo de 100 anos
Em despacho, Lula determinou a Controladoria-Geral da União (CGU) reavalie, em 30 dias, uma série de medidas editadas por Bolsonaro, incluindo as que impuseram sigilo sobre documentos e informações do governo.
No documento, Lula afirma que a equipe de transição identificou "diversas decisões baseadas em fundamentos equivocados acerca de proteção de dados pessoais, de segurança nacional e do Presidente da República e de seus familiares e de proteção das atividades de inteligência, que desrespeitaram o direito de acesso à informação, banalizaram o sigilo no Brasil e caracterizam claro retrocesso à política de transparência pública".
Na campanha, o presidente já havia dito que revogaria decretos de sigilo de 100 anos impostos por Bolsonaro.
Adidos da Receita Federal
Em decreto assinado por Lula e pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ficam extintos cargos de adidos tributários e aduaneiros junto às representações diplomáticas do Brasil no Exterior. O ato reverte a nomeação de quatro dirigentes da cúpula da Receita Federal para cargos em outros países, que havia sido publicada no dia 30 de dezembro.