Em seu mais famoso livro, O Príncipe, o filósofo italiano Nicolau Maquiavel dá um conselho que vale para todos os governantes que assumem:
"Quando fizer o bem, faça-o aos poucos. Quando for praticar o mal, é fazê-lo de uma vez só".
Numa livre interpretação, a expressão pode ser substituída por "use a força de uma vez só, as bondades a conta-gotas".
O novo governo parece seguir essa orientação. No mesmo dia em que foi empossado pela terceira vez na Presidência do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) decidiu enfrentar a política de liberação de armas empreendida pelo antecessor e adversário, Jair Bolsonaro (PL). O colunista já tinha antecipado algumas medidas.
Num decreto, o presidente petista restringe em cheio as atividades dos CACs (Caçadores, Colecionadores e Atiradores esportivos), uma das categorias mais beneficiadas durante os quatro anos de bolsonarismo no poder.
O texto determina, por exemplo:
- Proibição de compra de munições para armas de uso restrito.
- Proibição de CACs transportarem a arma carregada.
- Suspensão da concessão de novas licenças para clubes de tiro.
- Suspensão de novas licenças para CACs.
- Suspensão da renovação de registro de arma de uso restrito, até a nova regulamentação sobre o tema.
- Criação de um grupo de trabalho para discutir as novas etapas da política de reformulação de armas.
- Redução de de seis para três na quantidade de armas para o cidadão comum.
É um petardo contra os defensores da autonomia cidadã para uso de armas, muito criticada por estudiosos da segurança pública, que afirmam que a medida piora a violência e aumenta a quantidade de armas em mãos de criminosos.
Mesmo drástico, o decreto 11.366, assinado dia 1º, não é tão duro quanto esperavam os críticos do armamentismo. A determinação, por exemplo, não retira armas de quem já as comprou. A exceção será para quem responde por inquérito ou ação penal por crime doloso.
Nesse caso, o dono da arma terá de transferi-la para outra pessoa em um prazo de 30 dias, contado da data do indiciamento ou do recebimento da denúncia. Já nos casos de ação penal ou de inquérito policial que envolva violência doméstica e familiar contra a mulher, a arma será apreendida imediatamente pela autoridade competente.
O decreto tampouco proíbe a compra de armas, sugeridas pelos apoiadores mais radicais de Lula. Ele apenas reduz a quantidade.
Não é a legislação dos sonhos para os pacifistas, mas é restritiva o suficiente para ser odiada pelos defensores do direito de se armar. Os próximos passos dependerão do poder de pressão e de muita conversa. Afinal, a indústria das armas está de vento em popa no Brasil e o assunto dá muita margem para debates, inclusive sobre questões financeiras e de saúde pública.
Lula criará um grupo de trabalho que terá 60 dias para apresentar uma proposta de nova regulamentação do Estatuto do Desarmamento.