Seis meses antes do início da campanha, o Supremo Tribunal Federal (STF) começa a julgar nesta semana a legalidade do maior volume de dinheiro público já distribuído aos partidos para a disputa de uma eleição. Estão em jogo os R$ 4,9 bilhões destinados pelo Congresso para o fundo eleitoral.
O valor havia sido fixado em R$ 2,1 bilhões pela equipe econômica, mas deputados e senadores elevaram para R$ 5,7 bilhões durante a votação do orçamento da União para este ano, praticamente triplicando a quantia. Pressionado pela opinião pública, o presidente Jair Bolsonaro vetou a iniciativa.
O veto acabou derrubado pelo Congresso em dezembro, na última sessão legislativa de 2021 e, ao cabo dos cálculos orçamentários, restou fixado nos R$ 4,9 bilhões que agora são contestados no STF.
Todavia, o montante ainda pode chegar aos R$ 5,7 bilhões anteriores. Para tanto, há parlamentares pressionando o governo a remeter projeto de lei solicitando crédito suplementar no valor dos quase R$ 800 milhões restantes.
Foi para barrar essas iniciativas que o Novo ingressou com uma ação direta de inconstitucionalidade no STF. A petição foi ajuizada em 20 de dezembro, três dias após a derrubada do veto presidencial pelo Congresso. Na ação, o partido sustenta que a medida é inconstitucional, pois o cálculo não foi proposto pelo Executivo, tampouco aponta fonte de recursos para seu pagamento. O Novo advoga ainda a suposta imoralidade do gasto, "ante um país com 14 milhões de desempregados e 30 milhões de famílias vivendo com renda mensal abaixo de um salário mínimo".
Relator da matéria, o ministro André Mendonça abriu espaço no processo para o governo, o Congresso e entidades da sociedade civil.
Autor do projeto de iniciativa popular que se transformou na Lei da Ficha Limpa, o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral lembrou a própria atuação do financiamento público das campanhas, mas destacou que as regras atuais continuam “privilegiando grupos que detêm o poder” e que o aumento do valor “é uma afronta da classe política à sociedade”.
Na esfera pública, a Procuradoria-Geral da República (PGR), o Senado, a Câmara dos Deputados e a Advocacia-Geral da União (AGU) defenderam a legalidade do novo valor. Ao rebater a alegada imoralidade do gasto e o suposto vício de origem do cálculo, já que foi formulado pelos parlamentares, a AGU afirma que “a confecção do orçamento público é um processo complexo, com a participação do Poder Executivo e do Poder Legislativo” e que não seria razoável sustentar que a destinação de recursos para campanhas eleitorais possa “depender de um sarrafo quantitativo para sabermos se atende ou não ao princípio constitucional da moralidade”.
À frente da PGR, o procurador Augusto Aras também defendeu a legalidade da operação, lembrou que a apresentação de emendas é “prerrogativa inafastável dos parlamentares” e alertou para a proximidade da campanha, concluindo que “inexiste inconstitucionalidade na circunstância”.
Foi justamente para evitar que a discussão prolongada do tema acabe prejudicando a preparação dos partidos que o presidente do STF, Luiz Fux, colocou a ação na pauta de julgamentos desta quarta-feira (16). Já é costume na Corte, nos anos eleitorais, priorizar a análise de controvérsias sobre as regras do pleito.
Antes do caso, porém, o plenário precisa encerrar um processo que já está em votação, sobre os limites da propaganda eleitoral em jornais impressos e seus sites de notícias. Como ainda faltam oito ministros se manifestarem, é provável que a apreciação do fundo eleitoral só tenha início na quinta-feira (17).
Coordenador da bancada gaúcha na Câmara, o deputado Giovani Cherini (PL) defende o fundo eleitoral aprovado pelo Congresso e reclama da judicialização da política. Cherini considera inapropriado reclamar dos cerca de R$ 5 bilhões destinados à campanha quando a própria estrutura da Justiça Eleitoral custa R$ 10 bilhões ao ano.
— Dizem que o fundo eleitoral é muito dinheiro, mas muito dinheiro em relação ao quê? A atividade-meio custa R$ 10 bilhões e a atividade-fim custa R$ 5 bilhões. Teremos eleição para presidente, senador, governador, deputado federal e estadual. É muita gente concorrendo e foi o próprio STF que criou o financiamento público de campanha. É preciso respeitar a democracia. Isso foi votado no Congresso e aprovado pela maioria. Não dá para um partido perder a votação e ir pedir bexiga no Supremo — reclama Cherini.
Para o deputado Marcel van Hattem (Novo), a ofensiva no STF é consequência natural das irregularidades cometidas durante a votação. Embora ressalte que o ideário do Novo rejeita já em seus estatutos o uso de dinheiro público no financiamento dos partidos, ele garante que a ação não foi motivada por mera discordância ideológica.
— Somos contra a judicialização da política, desde que as regras sejam respeitadas. Nosso entendimento é que se feriu o processo legislativo. Esse dispositivo é inconstitucional e tem vício de iniciativa. O fundão se tornou elemento de perpetuação de poder. Com esse valor, cada deputado eleito em 2022 vai render R$ 9,5 milhões ao seu partido na eleição de 2024. Dizem que a democracia custa caro, mas o fundão é que custa caro à democracia — afirma o parlamentar.
O Fundo Eleitoral
- Oficialmente chamado de Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), os recursos para a campanha de 2022 foram fixados em R$ 2,1 bilhões pelo governo no orçamento deste ano
- Ao chegar ao Congresso, porém, a lei orçamentária foi alterada e o valor subiu para R$ 5,7 bilhões
- O presidente Jair Bolsonaro vetou a iniciativa, mas os parlamentares derrubaram o veto, mantendo o valor anterior
- Na sanção do orçamento da União para 2022, foram destinados R$ 4,9 bilhões para o custeio das campanhas
- O valor ainda pode chegar a R$ 5,7 bilhões, desde que o governo peça ao Congresso abertura de crédito suplementar de R$ 777,9 milhões