Foram cenas deploráveis. Naquele 8 de janeiro de 2023, o país parou para assistir a uma multidão insana invadir as sedes dos três poderes, em Brasília. A destruição do patrimônio público, como saberíamos mais tarde, poderia ter descambado para algo bem pior: assassinatos, golpe de Estado, autoritarismo.
Passados dois anos daquele dia vergonhoso e depois de tudo o que veio à tona sobre o caso, é difícil imaginar que ainda haja espaço para discutir anistia. Não há.
Muitos dos envolvidos, é verdade, entraram na onda golpista sem compreender a gravidade de seus atos. Foram massa de manobra, enganados por fake news e discursos populistas. Acabaram presos e, ainda que possam ser chamados de ingênuos, também passaram dos limites. Muitos depredaram bens públicos, incitaram o golpe e foram, no mínimo, coniventes com a violência.
O sentimento de impunidade reverbera até hoje e dá margem a quem acha que fazer apologia a ditaduras não é crime
Em 1979, quando a Lei da Anistia foi assinada pelo então presidente João Figueiredo, o contexto era outro.
À época, a decisão foi resultado de uma longa negociação, tecida para viabilizar o fim do regime militar. Só assim foi possível pavimentar o caminho para a redemocratização.
O tempo mostrou que a decisão de perdoar os crimes da época não foi boa para o país, porque, no fundo, nunca ajustamos as contas com o passado. O sentimento de impunidade reverbera até hoje e dá margem a quem acha que fazer apologia a ditaduras não é crime.
O governo brasileiro anistiou tanto os perseguidos políticos (os que restaram vivos), quanto os militares envolvidos no regime que censurou, reprimiu e matou. O perdão permitiu o retorno dos exilados ao Brasil (gente como Leonel Brizola, Miguel Arraes e tantos outros injustiçados), mas também serviu para "salvar a pele" de torturadores e assassinos.
Houve crimes dos dois lados, isso é certo (incluindo atos de guerrilheiros de esquerda envolvidos na luta armada), e todos eles deveriam, sim, ter sido julgados, com direito a ampla defesa, dentro da lei, por uma simples razão: aquele triste período da nossa história precisava ser resolvido.
Não foi. E cá estamos nós, outra vez, tendo de repetir mil vezes: ditadura nunca mais, nem aqui, nem na Venezuela, nem na Nicarágua, nem onde quer que seja.