Afastado da disputa presidencial pelo PSDB e decidido a não concorrer à reeleição, o governador Eduardo Leite se volta agora à montagem da própria sucessão. À frente de um Estado que jamais concedeu segundo mandato consecutivo ao mesmo partido, Leite está disposto até mesmo a endossar apoio a outra legenda em nome de uma vitória nas urnas.
Publicamente, a cúpula do governo defende como cabeça de chapa o nome do vice-governador e secretário da Segurança Pública, Ranolfo Vieira Jr. Nos bastidores, a questão do carisma e o traquejo político de Ranolfo preocupam Leite. Embora sustente que é ainda cedo para definições, em conversas reservadas o governador já acenou preferência por aliança com o MDB, sobretudo se o candidato for o atual presidente da Assembleia Legislativa, Gabriel Souza. Para tanto, o tucano precisa vencer resistências internas e externas.
No próprio PSDB, há várias tendências. Um grupo tenta convencer Leite a disputar novo mandato, outro defende Ranolfo e há citações às prefeitas Paula Mascarenhas (Pelotas) e Fátima Daudt (Novo Hamburgo) e ao deputado federal e presidente estadual do partido, Lucas Redecker. Nas pesquisas encomendadas pela sigla, o nome do chefe da Casa Civil, Artur Lemos, também foi incluído. Os dois últimos, porém, não têm pretensões no jogo sucessório.
Nas pesquisas quantitativas, a visibilidade conferida a Ranolfo pelos bons indicadores na área de segurança garante ao vice os melhores indicadores. Não à toa, Ranolfo tem intensificado as agendas políticas. Contratou uma segunda jornalista para seu gabinete, tem se reunido com empresários e visitado festas populares no Interior. Até mesmo as piadas, antes restritas aos encontros privados, agora têm sido recorrentes em solenidades públicas.
Fátima e Paula reúnem mais atributos nas sondagens qualitativas, nas quais o eleitor tucano diz querer alguém com capacidade de gestão, habilidade para negociar acordos e sem máculas éticas. Para concorrer, elas precisariam renunciar. Paula resiste a abandonar o segundo mandato em Pelotas, mas já avisou o partido que, se for necessário, aceita a empreitada. Para evitar sobressaltos na continuidade da gestão, ela tem repassado mais incumbências e reforçado o entorno do vice, Idemar Bartz (PTB).
Já Fátima está disposta a voos mais altos desde que se reelegeu, em outubro do ano passado. Empresária e prefeita com bons índices de aprovação, ela tem ativos eleitorais cobiçados pelos partidos e atua para ganhar mais projeção estadual, reforçando a presença na mídia e nos circuitos de poder. Tamanha disposição já lhe valeu convite do presidente nacional do PSD, Gilberto Kassab, para migrar de partido e concorrer ao Piratini.
Os dois postulantes do MDB, Gabriel Souza e o deputado federal Alceu Moreira, também cercam Fátima. Ambos já se reuniram com ela mais de uma vez, oferecendo a vaga de vice. Ciente desse assédio crescente, Leite lhe ofereceu um jantar recentemente na ala residencial do Palácio Piratini, no qual evitou falar sobre a sucessão, mas ressaltou a importância da prefeita para o PSDB.
O governador sabe que o quadro sucessório só ficará mais claro a partir de fevereiro, quando o MDB escolher seu candidato. Até lá, ele não pretende antecipar nenhum movimento, inclusive para não melindrar o maior partido da base governista na Assembleia. Por enquanto, o único pré-candidato declarado é Alceu Moreira, presidente estadual da sigla. Gabriel Souza tenta se cacifar, mas esbarra na rejeição da velha guarda do partido, representada por Pedro Simon, Luis Roberto Ponte e Cezar Schirmer, entre outros.
Com muita influência interna, o grupo tampouco simpatiza com Alceu, mas o aceita diante da relutância de José Ivo Sartori em concorrer de novo a governador. A velha guarda reconhece que Gabriel domina a bancada estadual e Alceu, a base partidária, mas não desistiu de buscar uma alternativa, chegando a cogitar Schirmer ou o prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo, este já fardado para concorrer em 2026.
Numa manobra para barrar as pretensões de Gabriel, o ex-vice-governador José Paulo Cairoli lançou o próprio nome, salientando que recua caso Sartori ou Alceu confirmem candidatura. Embora tenha sido líder do governo Sartori na Assembleia, Gabriel é visto com desconfiança pela velha guarda por causa da proximidade com Leite. Na atual gestão, ele articulou a ida de dois deputados estaduais para o secretariado (Juvir Costella e Edson Brum) e ajuda na aprovação de projetos de lei. Com presença assídua no Palácio Piratini, também negocia criação de políticas públicas, liberação de verbas e cargos. Para vencer resistências, Gabriel salienta, em todo discurso, que a crise financeira do Estado só foi equalizada graças às reformas deflagradas por Sartori e continuadas por Leite. Não tem sido suficiente.
Leite, porém, avalia que Gabriel poderia ser o candidato ideal para representar o governo numa eleição que se apresenta polarizada já na largada, ao reproduzir no Estado a dicotomia entre esquerda e direita, representada nacionalmente pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) e pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Nesse horizonte, com Edegar Pretto (PT) e Beto Albuquerque (PSB) transitando pela esquerda e Onyx Lorenzoni (DEM) e Luis Carlos Heinze (PP) pela direita, o tucano pondera que um candidato de centro, com perfil jovem e reformista, teria grandes chances de vencer.
Outro fator com forte peso nos cálculos políticos de Leite são suas próprias pretensões eleitorais. A despeito da derrota na prévia do PSDB, ele segue com ambições presidenciais e pretende estar no jogo em 2026. Para tanto, na ausência de um nome natural e competitivo do PSDB ao governo do Estado e diante da fragilidade do partido no cenário nacional, ceder a cabeça de chapa ao MDB seria um gesto pelo qual ele poderia ser retribuído num futuro próximo.