Após duas semanas de recesso parlamentar, a CPI da Covid retomou os trabalhos nesta terça-feira (3) com o depoimento do reverendo Amilton Gomes de Paula. Ele é apontado por representantes da Davati Medical Supply como suposto intermediador entre o governo federal e empresas que ofertavam vacinas.
Presidente de uma ONG, a Secretaria Nacional de Assuntos Humanitários (Senah), o religioso recebeu em fevereiro autorização do Ministério da Saúde para negociar 400 milhões de doses de vacinas contra a covid-19.
O depoimento dele estava previsto para o dia 14 de julho, mas foi adiado por questões de saúde. Amilton compareceu à comissão nesta terça-feira amparado por um habeas corpus concedido pelo ministro Luiz Fux, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), o que conferiu a ele o direito a não responder a perguntas que o incriminassem.
Abaixo, confira os principais pontos do depoimento:
Negociação de vacinas
Durante sua fala de abertura, Amilton negou que tenha negociado vacinas, mas se apresentou apenas como um facilitador. Ele afirmou que estava "apresentando informações" ao Ministério da Saúde e que acreditou nas informações dos representantes da empresa Davati de que existiam doses de vacinas para "pronta entrega".
Negou que tenha oferecido vacinas a prefeituras. No entanto, confrontado com informações trazidas pelos integrantes da CPI, o reverendo precisou ajustar seu depoimento e admitiu que a Senah abriu diálogos sobre venda de vacinas com prefeituras.
O pastor também foi questionado por senadores por que intermediou a oferta de vacinas para o Ministério da Saúde e foi recebido três vezes na sede da pasta, apesar de movimentos contrários do governo federal em relação à imunização da população. Ele relatou três reuniões na pasta: 22 de fevereiro, 2 de março e 12 de março. Na última, foi recebido pelo ex-secretário-executivo da pasta Elcio Franco.
Oferta de vacina por US$ 1 a mais
O reverendo afirmou que a proposta enviada ao Ministério da Saúde que cotava a dose da vacina contra covid-19 em US$ 11 foi orientada pela Davati Medical Supply. Mais cedo, o vice-presidente da CPI, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), havia confrontado o reverendo com o preço da vacina oferecida pela Davati à pasta.
Randolfe lembrou que a companhia apresentou um documento ao ministério no dia 15 de março oferecendo vacinas à US$ 10, preço que mais tarde foi atualizado pelo reverendo, por carta endereçada ao então secretário-executivo do ministério da Saúde, Elcio Franco, mudando o preço para US$ 11. De acordo com a versão de Amilton, a proposta com o novo valor foi encaminhada ao Ministério da Saúde no dia 24 de março.
Ele disse também desconhecer a denúncia do suposto pedido de propina de US$ 1 por dose da vacina AstraZeneca, como afirmou à CPI o policial Dominguetti , representante da Davati.
"Iniciativa humanitária"
A justificativa do reverendo para tentar facilitar a compra de vacinas pelo Ministério da Saúde foi a tentativa de proporcionar imunizantes para o Brasil, uma "iniciativa humanitária", de acordo com ele.
— O trabalho de mais de 20 anos de uma ONG, uma entidade séria, voltada para ações comunitárias e educacionais, foi jogada na lama, trazendo prejuízo na sua credibilidade — disse.
O reverendo também admitiu que havia uma expectativa da Senah de receber uma doação ao intermediar o acesso da empresa Davati ao Ministério da Saúde. Ele disse que "doação não é ilegal, não caracteriza vantagem" e que a ONG foi usada "de maneira ardiolosa para fins espúrios".
— Hoje entendemos que foram usados de maneira ardilosa que desconhecemos. Temos um trabalho de 22 anos jogados na lama, trazendo prejuízos na credibilidade — afirmou.
“Não conheço ninguém do governo federal”
O reverendo negou conhecer pessoas que integram o governo federal, ou ser próximo ao presidente Jair Bolsonaro. A fala foi tratada com descrédito por alguns integrantes da CPI.
Amilton declarou não se lembrar de registro fotográfico com alguém próximo do chefe do Executivo, mas não descartou a existência de registros. Ele admitiu ter participado da campanha de Bolsonaro à Presidência, mas negou encontro com o presidente.
O líder religioso afirmou que se encontrou pessoalmente com Élcio Franco, então secretário-executivo do Ministério da Saúde, apenas uma vez, em 12 de março. Também estavam no encontro, segundo ele, o revendedor Luiz Paulo Dominguetti, o representante da Davati, Cristiano Carvalho, alguns assessores da Saúde e o coronel Helcio Bruno, do Instituto Força Brasil.
Mensagem enviada a Dominguetti foi “bravata”
Em uma mensagem do reverendo a Dominguetti, enquanto eram negociadas as vacinas ao governo, Amilton teria dito ao vendedor que a primeira-dama Michele Bolsonaro teria "entrado no circuito". Nesta terça-feira, o pastor afirmou não lembrar o contexto da mensagem, mas declarou que a fala era uma "bravata", para "mostrar algo que não tinha". A mesma justificativa foi dada por ele a uma mensagem a Dominguetti onde dizia que tinha falado "com quem manda".
Arrependimento e choro
Em seu depoimento, Amilton disse que se arrepende de ter participado da "operação das vacinas". Em seguida, chorou e pediu desculpas "ao Brasil":
— Eu creio que o maior erro que fiz foi abrir as portas da minha casa aqui em Brasília. Sou de Brasília. Eu abri a porta da minha casa num momento que eu estava enfrentando a perda de um ente querido da minha família. E eu queria vacina para o Brasil.