Depois de passeio de motocicleta com simpatizantes em Porto Alegre neste sábado (10), o presidente Jair Bolsonaro voltou a subir o tom dos ataques pessoais e morais contra Luís Roberto Barroso, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Sem provas ou esclarecimentos sobre quais foram as supostas condutas que motivaram sua manifestação, o presidente, do alto de um palanque político, vinculou Barroso à pedofilia.
— Quero perguntar ao ministro Barroso, do Supremo Tribunal Federal, ministro esse que defende a redução da maioridade para estupro de vulnerável. Ou seja, beira a pedofilia o que ele defende. Ministro que defende o aborto, ministro que defende a liberação das drogas. Com essas bandeiras todas, ele não tinha que estar no Supremo. Tinha que estar no Parlamento. Lá é local de cada um defender a sua bandeira — exclamou Bolsonaro, de microfone em punho e postado entre políticos que o apoiam.
A ilação ocorre em momento de alta na reprovação popular a Bolsonaro: conforme pesquisa do Datafolha publicada na quinta-feira (8), 51% consideram o seu governo ruim ou péssimo, maior índice negativo já apurado pelo instituto desde o início do mandato, em 2019. As agressões também são delineadas pelo avanço da CPI da Covid, no Senado, que investiga supostas práticas de corrupção no Ministério da Saúde em processos de aquisição de vacinas.
A querela marca mais um capítulo da escalada conflituosa entre os poderes da República. A tensão já se desenrolava desde sexta-feira (9), quando o TSE publicou nota oficial para rebater afirmações de Bolsonaro, desacompanhadas de provas, a respeito de supostas fraudes nas eleições após o advento da urna eletrônica. O presidente havia declarado que, sem o voto impresso, defendido por ele e seu núcleo de apoiadores, o pleito de 2022 poderá não ser realizado.
“A realização de eleições, na data prevista na Constituição, é pressuposto do regime democrático. Qualquer atuação no sentido de impedir a sua ocorrência viola princípios constitucionais e configura crime de responsabilidade”, afirmou, em nota, o TSE, presidido por Barroso, citando delito que pode servir de base legal para um processo de impeachment.
No dia seguinte à reação do TSE, Bolsonaro deu prosseguimento ao embate e, em Porto Alegre, vinculou Barroso à pedofilia e associou o magistrado a outros crimes, sem apresentar evidências. O conflito, neste caso, também deve-se ao fato de Barroso ter criticado o voto impresso, qualificado por ele como “retrocesso” no sistema eleitoral, além de significar impacto nos cofres públicos.
— O Barroso quer a volta da roubalheira, da impunidade, através da fraude eleitoral — disse Bolsonaro.
Reações
Políticos, autoridades e juristas reagiram após a manifestação do presidente e prestaram solidariedade a Barroso. Com a despedida do STF prevista para a segunda-feira (12), após a confirmação da sua aposentadoria, o ministro Marco Aurélio Mello cobrou a retomada da compostura e da serenidade.
— A hora é de temperança. A hora é de equilíbrio, e não de desequilíbrio. O ministro Luís Roberto Barroso merece a minha deferência e o meu respeito. Já se pisou muito fundo nesse acelerador, e isso não é bom para a República — avaliou Marco Aurélio.
Para o deputado federal Rodrigo Maia (sem partido-RJ), ex-presidente da Câmara, a iniciativa de Bolsonaro teria relação com o desgaste da sua imagem.
“Bolsonaro é um covarde. Sempre foi um pusilânime. Em 2018, atacava homossexuais, mulheres e qualquer um que pensasse diferente. Hoje, acrescentou à lista de ataques a urna eletrônica e o presidente do TSE porque sabe que a derrota é inevitável. Meu apoio irrestrito ao ministro Barroso”, escreveu Maia, em uma rede social.
Gilson Dipp, ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), desaprovou a conduta de Bolsonaro e avaliou que caberia aos militares que integram o seu governo a tarefa de cobrar respeito à democracia e aos Poderes.
— É um insano e despreparado. Tenta desviar a atenção das acusações de corrupção contra o governo e a família — diz o ex-ministro.
Ele não acredita, contudo, que Bolsonaro possa levar a cabo as ameaças públicas sobre cancelamento de eleições, por exemplo.
— É só bravata, mas acaba criando expectativa nas pessoas. Ele quer chamar atenção e isso é premeditado, com a conivência dos militares que estão no governo — afirma Dipp.
A senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) também fez críticas ao presidente.
“Bolsonaro parece não estar bem de suas faculdades mentais, as suas declarações sem lógica indicam isso. Agredir o ministro Barroso em níveis inusitados e insinuar que o Parlamento é local de defensores de pedofilia e das drogas ultrapassa limites da boçalidade. Temos que lembrar Ulysses Guimarães: o presidente está visivelmente desequilibrado. A nação está vendo. De escatologias a delírios. É preciso parar”, escreveu, em rede social, a senadora.
O deputado federal Ubiratan Sanderson (PSL-RS), que estava ao lado de Bolsonaro durante os ataques, saiu em defesa do presidente, apesar de não ter abordado as associações sem evidências de pedofilia.
"A fala do presidente Bolsonaro hoje, em Porto Alegre, não pode jamais ser classificada como caluniosa a quem quer que seja. São críticas feitas a um sistema judicial que notadamente não conta com a confiança de boa parte da população e precisa compreender que se parlamentares e o próprio presidente da República são todos os dias criticados, ministros do STF também podem ser objeto de críticas", afirmou Sanderson, em nota.