Após responsabilizar o governo Jair Bolsonaro pelas mais de 490 mil mortes registradas no país em razão da pandemia e solicitar uma nova oitiva para que possa depor de forma sigilosa, o ex-governador do Rio de Janeiro Wilson Witzel encerrou seu depoimento à CPI da Covid nesta quarta-feira (16).
Witzel, que sofreu impeachment em setembro do ano passado e é réu em processo que apura corrupção e lavagem de dinheiro, se retirou da sessão amparado por uma decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Kassio Nunes Marques, que autorizou o político a não comparecer na CPI. Conforme a decisão, caso Witzel decidisse prestar depoimento, poderia também ficar em silêncio diante das perguntas que não quisesse responder.
Abaixo, confira os principais pontos do depoimentos de Witzel:
Witzel encerrou sessão e pediu para falar de forma sigilosa
Ainda faltavam 12 senadores inscritos para interrogar o governador cassado, quando Witzel resolveu encerrar sua oitiva, amparado por decisão da Justiça. O encerramento foi comunicado quando o senador governista Eduardo Girão (Podemos-CE) fez questionamentos acerca de investigações de superfaturamento na compra de equipamentos hospitalares (respiradores) durante o mandato do ex-governador fluminense:
— Senador Girão, o depoente vai se retirar — disse o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), interrompendo Girão.
— Ele (Witzel) acabou de me comunicar que quer se retirar da sessão e a gente não pode fazer absolutamente nada — acrescentou Aziz.
Witzel se comprometeu a repassar mais informações à CPI. Ele afirmou ainda que houve um "fato gravíssimo" de intervenção do governo federal em sua gestão para promover alterações na estrutura de governo. Segundo ele, o fato só será revelado se houver uma sessão em sigilo de Justiça. Aziz afirmou que irá analisar como esse segundo interrogatório pode ser conduzido. O relator Renan Calheiros (MDB-AL) chegou a sugerir que a conversa acontecesse logo na sequência da sessão pública, mas Witzel pediu que o segundo depoimento fosse realizado em outro momento, para que ele possa se preparar melhor.
Críticas ao governo Bolsonaro
No depoimento, Witzel afirmou que o governo federal criou uma "narrativa" para colocar os governadores em situação de fragilidade na pandemia.
— Presidente deixou os governadores à mercê da desgraça que viria — relatou, acrescentando que a a demora na criação do auxílio emergencial dificultou o combate à pandemia.
O ex-governador disse também que foi vítima de "linchamento moral" e cassado em um "tribunal de exceção", e que sofreu perseguição política e retaliação por parte do governo federal, em razão de críticas que dirigiu ao presidente Jair Bolsonaro e à administração dele. Afirmou ainda que o "aparelhamento" do Estado serviu de preparação para o governo federal atacar governadores e prefeitos durante a pandemia.
— Governo e o presidente começaram a me retaliar. Tínhamos dificuldade de falar com ministros para sermos atendidos. Vi (o ministro Paulo) Guedes em um avião e ele virou a cara e saiu correndo dizendo "não posso falar com você" — relatou o ex-governador, que afirmou ter havido contingenciamento de verbas durante processo de impeachment do qual foi alvo.
Witzel contou ainda sobre um episódio com o ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro no qual o ex-juiz teria passado um "recado" de Bolsonaro. Segundo o relato do ex-governador, Moro disse a ele para "parar de falar que quer ser presidente", a pedido de Bolsonaro.
— Acho que papel de menino de recado não se espera de você que, como eu, é magistrado de carreira — afirmou Witzel sobre o que teria dito ao ex-ministro.
Cooperação do Ministério da Saúde "foi praticamente zero" na pandemia
O governador cassado também afirmou que o envio de verbas federais para os Estados enfrentarem a pandemia não foi suficiente. Ele voltou a criticar a falta de cooperação pelo Ministério da Saúde durante o período:
— Cooperação do Ministério da Saúde foi praticamente zero, foi uma descooperação (sic).
Witzel também reclamou do critério na distribuição dos recursos federais aos Estados.
— Envio de verbas contra covid prejudicou Rio e São Paulo e prestigiou Nordeste — declarou.
No entanto, o presidente da CPI rebateu a fala, lembrando que o formato de distribuição foi votado pelo Congresso Nacional, tendo como um dos critérios a sistemática do Fundo de Participação dos Estados (FPE).
— O critério utilizado pelo Congresso pode até não ser bom para os Estados do Sul, São Paulo e Rio, mas o critério foi o fundo de participação dos Estados — disse o senador.
Witzel fez críticas ainda à atuação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em torno do controle de chegada de estrangeiros nos aeroportos brasileiros.
— Anvisa não estava fazendo o controle. E eu fui duramente criticado porque tomei essa medida, fui chamado de tirano, ditador. Meu decreto proibia o ingresso de turistas no aeroporto — disse ele.
Bate-boca com Flávio Bolsonaro
O depoimento foi marcado por uma série de interrupções do senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), em razão de questionamentos do relator, Renan Calheiros (MDB-AL), sobre a relação entre Witzel e a família Bolsonaro, que hoje estão rompidos.
— O que isso tem a ver com covid, na boa? — questionou o filho de Jair Bolsonaro durante o interrogatório de Renan.
Integrantes da CPI começaram a questionar a pertinência de o relator fazer perguntas a Witzel não relacionas à pandemia, com endosso do próprio presidente do colegiado, Omar Aziz (PSD-AM).
— Se Flávio apoiou Witzel, se Witzel apoiou Flávio, é problema deles — pontuou Aziz.
Renan, com apoio de outros senadores da oposição, continuou perguntando ainda por qual razão o ex-governador declarou, em outra ocasião, que Flávio Bolsonaro deveria estar preso.
— Está me desrespeitando como senador, e vou querer falar — interrompeu Flávio.
— Como essa questão é delicada e foi feita fora da situação da covid, trata da eleição e outros fatos peço escusas para não comentar tal declaração — respondeu Witzel.
As interrupções de Flávio durante a fala de Witzel fizeram senadores de oposição apontarem para um "ato de intimidação". Renan chegou a sugerir que o depoimento fosse prestado de forma reservada desde já.
— Não faço a menor questão de que o senador Flávio esteja ou não presente — respondeu Witzel.
— Se for reservado, vou estar presente também — rebateu Flávio, que ainda protagonizou um bate-boca com Renan.
— Não tenho problema de estar na presença dele (Flávio), conheço ele desde garoto, a família, seu pai de longa data, e minha questão aqui não é pessoal, é em defesa da democracia — disse Witzel.
— Que discurso lindo — alfinetou Flávio, em seguida.
— Se o senhor fosse mais educado e menos mimado, teria respeito — rebateu o ex-governador. — Não vai me intimidar não. Flávio é contumaz em dar declarações atacando o Poder Judiciário — completou Witzel.
Governo federal não repassou leitos e boicotou hospitais de campanha, diz Witzel
O governador cassado afirmou também que pediu ao presidente Bolsonaro que entregasse todos os hospitais federais e a verba necessária para fazer a reestruturação e administração no combate contra a covid-19. Segundo o ex-governador, a intenção da gestão estadual era construir 1.500 de hospitais de campanha, mas os planos "foram sabotados".
— A conclusão que eu chego é que não me deram os leitos e ainda sabotaram os hospitais de campanha exatamente para criar o caos — disse.
Wilson Witzel afirmou que, no início de 2019, foram solicitados 800 leitos ao então ministro da Saúde Henrique Mandetta para a administração do Estado com foco no Sistema Único de Saúde (SUS). Em sua avaliação, com tais leitos, o Rio de Janeiro poderia estar "mais preparado" no combate à pandemia:
— Talvez nem fossem necessários os hospitais de campanha.
Ainda em críticas à gestão federal, Witzel reforçou que "a ideia do governo federal era a contaminação de rebanho". Segundo ele, foram feitas reuniões para o combate da pandemia com especialistas que constataram que a contaminação de rebanho e o isolamento vertical "não seriam suficientes para o Rio de Janeiro". Witzel afirma que tomou medidas restritivas em aeroportos, rodovias e esvaziamento das praias para que o Estado tivesse condições para avaliar o progresso da doença no território carioca.
O governador cassado ainda afirmou que não conseguiu se reunir com o ex-ministro da Saúde Nelson Teich e esteve apenas uma vez com o também ex-ministro Eduardo Pazuello, em visita ao hospital de campanha do Maracanã.
— Em todas essas oportunidades, os hospitais federais não foram colocados à disposição no Estado do Rio de Janeiro. Enquanto eu fui governador, eu não tive a colaboração absolutamente nenhuma para poder fazer enfrentamento ao combate ao coronavírus — declarou.