A ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), manteve a quebra dos sigilos telefônico e telemático decretada pela CPI da Covid contra o assessor especial para Assuntos Internacionais da Presidência, Filipe Martins. A ministra considerou que os indícios contra o aliado do presidente Jair Bolsonaro — que "teria concorrido diretamente para o atraso" na compra de vacinas contra a covid-19 e influenciado no agravamento da pandemia — sugerem "presença de causa provável", legitimando a medida imposta pelo colegiado instalado no Senado.
Em decisão datada desta terça-feira (15), a ministra rechaçou alegações da Advocacia-Geral da União, autora do habeas corpus impetrado em favor de Martins, destacando não ver desproporcionalidade da medida determinada pela CPI da Covid. Assim como fez ao negar pedido similar da Associação Médicos pela Vida, Rosa ressaltou que inquérito parlamentar envolve o "exercício de atividade intrínseca do Legislativo" e a "observância das limitações inerentes ao poder estatal de investigar".
Rosa reproduziu os motivos que levaram à quebra dos sigilos de Martins, segundo o colegiado: "o envolvimento ativo" em eventos relacionados à compra de vacinas pelo governo federal, com suposta participação em atos de "boicote à aquisição de vacinas pelo governo, retardando a imunização da sociedade brasileira"; além das suspeitas de que Martins integrasse o gabinete do ódio, "peça importante da máquina de mentiras e de difamação constituída para destruir a reputação daqueles que defendem a aquisição de vacinas e combatem o uso de recursos públicos para incentivar o 'tratamento precoce'".
"Dadas as particularidades da presente CPI, que envolve sensível investigação sobre virtuais responsáveis, na estrutura governamental, pelo quadro de emergência sanitária que hoje assola o país — e que já vitimou quase meio milhão de brasileiros —, as quebras de sigilo telefônico e telemático assumem singular relevância, pois, sem tais intervenções na esfera de intimidade dos potenciais envolvidos, as chances de êxito quanto ao esclarecimento dos fatos sob apuração tornam-se praticamente desprezíveis", ponderou a ministra.
Até o momento, os ministros do STF mantiveram as medidas decretadas pela CPI da Covid em outros seis casos: o do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello; o do ex-ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo; o da secretária de Gestão do Trabalho e Educação em Saúde do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro, conhecida como "capitã cloroquina"; o do anestesista Luciano Azevedo; o do secretário de vigilância em Saúde do governo federal Arnaldo Correia de Medeiros; e o da Associação Médicos pela Vida.
Em outra ponta, as medidas foram suspensas com relação ao ex-assessor de Relações Internacionais do Ministério da Saúde, Flávio Werneck, à ex-diretora do departamento de Ciência e Tecnologia da pasta, Camila Giaretta Sachetti, ao ex-secretário executivo Élcio Franco e ao secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde, Helio Angotti Neto.
Como mostrou o Estadão, a discussão das quebras de sigilo telefônico e telemático devem ser levadas ao plenário da Suprema Corte para por fim a entendimentos divergentes adotados em decisões individuais.
Rosa mantém quebra de sigilo da Associação Médicos pela Vida, que repudia vacinas
A ministra Rosa Weber também negou pedido da Associação Médicos pela Vida e manteve a quebra dos sigilos telefônico e telemático decretados contra a entidade pela CPI da Covid. A associação é responsável por um texto, publicado em abril, em que defende a cloroquina e o "tratamento precoce" difundido pelo governo Jair Bolsonaro, além de se posicionar contra o uso de máscaras — previsto em lei — e a obrigatoriedade da vacinação — já assentada pelo Supremo Tribunal Federal.
Ao analisar o caso, Rosa Weber não viu "excesso" em relação aos limites da quebra de sigilo, destacando que há indicação, "aparentemente inarredável", de que fake news sobre técnicas e procedimentos de tratamento da covid-19 podem ter causado impacto "deletério" na eficiência do combate à pandemia. De acordo com a ministra, o assunto será "devidamente mensurado" pelo avanço das investigações da CPI da Covid.
Ao justificar a quebra dos sigilos contra a entidade, a CPI da Covid afirmou que o grupo faz "campanha em favor de tratamentos inúteis e dispendiosos" e questionou "medidas universalmente adotadas pelos estados e governos que respeitam a ciência". Segundo o colegiado, cabe à comissão "esclarecer quais as fontes materiais dessas campanhas que operam objetivamente contra a saúde pública".
Considerando que a desinformação sobre a pandemia tem relação com o objeto da comissão instalada no Senado — de apurar "ações e omissões do Governo Federal no enfrentamento da pandemia" —, Rosa ponderou que é razoável a extensão da investigação "à caracterização de possíveis elos entre entidades privadas e públicas, inclusive sob o aspecto financeiro".
"Se existe determinada atividade de natureza privada que, como visto, pode ter impactado o enfrentamento da pandemia, eventual ligação dessa entidade com o poder público propiciará, em abstrato, campo lícito para o desenvolvimento das atividades de investigação, sem que se possa falar, à primeira vista, em desbodramento de seus limites, pois esse exame colateral da atividade estatal em tese representa, simplesmente, o esgotamento da análise de toda a atividade pública, inclusive a interposta, no contexto da pandemia", ponderou a ministra.