Mesmo em isolamento social, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), 89 anos, mantém uma rotina intensa de reuniões virtuais e entrevistas. Imunizado com a segunda dose da CoronaVac, o tucano faz política por videoconferência.
Apesar de afastado da vida orgânica partidária, FHC tem estado especialmente ativo nos últimos meses, procurado por lideranças de dentro e de fora do PSDB para tratar de ações contra a pandemia e, principalmente, da construção de uma candidatura de centro para a disputa presidencial de 2022.
Nesta entrevista, o ex-presidente avalia a hipótese de impeachment de Jair Bolsonaro, o restabelecimento dos direitos políticos de Lula e o cenário eleitoral de 2022.
— Quando você fica muito agarrado a um momento da sua história, você morre com ela. É melhor arrumar brinquedos novos — afirmou Fernando Henrique Cardoso, ao citar a possibilidade de o petista entrar na disputa.
Confira os principais trechos:
Jair Bolsonaro
— Bolsonaro não perdeu o apoio das classes dominantes. Os interesses dominantes se acomodam sempre — afirmou.
Segundo o ex-presidente, o estilo do atual presidente reflete uma classe média "que tem um pouco de raiva":
— A classe média se sentiu mais representada por ele.
Apesar das críticas, Fernando Henrique não prega o impeachment do atual presidente:
— Não vejo razão para isso. Ele tem apoios. Você tem impeachment quando o Congresso para de funcionar. Não é o caso.
Então, por que o PSDB apoiou o impedimento de Dilma Rousseff? FHC faz questão de frisar que a ex-presidente petista é "uma pessoa correta", mas conclui:
— Bolsonaro tem mais apoio que Dilma porque é mais competente em lidar com os interesses que o seguram lá.
Lula
Ao tratar do retorno do petista ao cenário eleitoral, FHC frisou que nunca pensou em voltar à política depois que deixou o Palácio do Planalto:
— Não estou julgando ninguém, mas a gente tem que viver com intensidade cada momento. Quando você fica muito agarrado a um momento da sua história, você morre com ela. É melhor arrumar brinquedos novos.
O tucano lembrou que, quando era presidente, tentou manter, sem sucesso, um canal aberto de diálogo com Lula e o PT. A proposta não teria avançado, segundo ele, por "cálculo eleitoral" do petista. Sobre a expectativa de uma polarização entre Lula e Bolsonaro, FHC acredita que o petista precisa se alinhar ao centro se quiser vencer a eleição. Segundo ele, Lula "nunca foi de esquerda", nem é "um perigo":
— Duvido que Lula queira assumir que é a esquerda revolucionária. Aí ele perde. Bolsonaro vai ficar onde está. Lula é esperto, vai para o centro. Vai agradar todo mundo. Lula vai ser construído por Bolsonaro como o perigo do comunismo, mas ele não tem nada a ver com isso. Nunca teve. Não creio que as pessoas vão optar entre esquerda e direita no sentido ideológico.
PSDB
O partido marcou para outubro suas prévias presidenciais e três nomes estão colocados até o momento: os governadores João Doria (SP) e Eduardo Leite (RS) e o ex-prefeito de Manaus Arthur Virgílio. Apesar de o processo interno já ter sido anunciado, líderes tucanos têm defendido a tese de que o partido pode abrir mão de ter candidato próprio em nome de uma candidatura de união nacional. O ex-presidente discorda.
— Acho difícil. Temos líderes competentes no PSDB — afirmou FHC sobre a hipótese de a legenda abrir mão da cabeça de chapa.
Mas ele não fecha a porta para que um nome novo surja no cenário com força suficiente para enfrentar Bolsonaro:
— Eu gostaria mesmo que não fosse nem Bolsonaro, nem Lula. Se eu puder, vou trabalhar nessa direção: ter um candidato de qualquer partido do centro que expresse sentimento positivo. Não pode ser um centro morto, tem que ser um centro que tenha lado.
Se o PSDB não for capaz de lançar um nome competitivo, vai ter de escolher o "menos ruim", diz FHC. Sobre as prévias, ele descartou Arthur Virgílio ("não tem força eleitoral"):
— Quem tem base eleitoral são esses dois: Doria e Eduardo Leite. O Doria tem mais consistência porque é São Paulo.
Luciano Huck
Amigo do apresentador, o FHC disse que ele precisa buscar logo um partido:
— Passa a hora. Ele tem pouco tempo para tomar a decisão.
Para o tucano, Huck tem algo essencial na política: popularidade. Mas isso não basta.
— O que falta a ele é ser líder político, que é outra coisa. Ser líder político é ter comando sobre o Congresso — disse, argumentando que a entrada de Lula na disputa não é motivo para Huck desistir da política.
Ciro Gomes
Assim como FHC, o ex-governador Ciro Gomes foi ministro da Fazenda de Itamar Franco, mas se tornou um crítico contumaz do tucano. O ex-presidente disse que Ciro ainda é "relativamente" jovem e "fala bem", mas é "um pouco inconstante":
— Não acho que seja a pessoa que o Brasil precisa neste momento para abrir um caminho de renovação. Ele sabe falar, mas não sabe para que lado vai. Tenho a sensação que ele pode ir para qualquer lado. Ciro não é de esquerda, de direita nem centro. Ele é ele.
Sergio Moro
Para Fernando Henrique, o ex-juiz e ex-ministro Sergio Moro fez algo importante: colocou gente rica e poderosa na cadeia.
— Alguns eu até conheço — completou.
Mas, como ministro, mostrou não ter muita "apetência" para o poder:
— Ele simboliza a classe média radicalizada que quer acabar com a corrupção. Não vejo que ele tenha força política real. Pode ser que tenha no Paraná. Este governo não é especialmente corrompido.
Mesmo com todos os reveses recentes da Lava-Jato, o tucano disse que o legado histórico da operação será positivo.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.